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TIRÉE PAR... A RAINHA D. AMÉLIA E A FOTOGRAFIA
23-12-2016

A última família real na intimidade e na política de representação

 

A exposição «Tirée par…, a Rainha D. Amélia e a fotografia» já esteve em Lisboa, Vila Viçosa, e encontra-se presentemente no Porto. O seu catálogo, publicado pela Sistema Solar, é primoroso, tanto pelo acervo fotográfico como pelos textos dos especialistas envolvidos, com o insigne fotógrafo Luís Pavão enquanto comissário da exposição, é documento histórico e imagístico relevante.

Em primeiro lugar, o leitor é confrontado com as imagens de Amélia de Orleães e os seus familiares mais próximos, Amélia é princesa de Portugal e depois rainha, a família alarga-se, há eventos, viagens pelo Mediterrâneo, actos sociais, paradas militares, viagens de Estado, caçadas, a rainha em trajes típicos; uma rainha que enviúva e parte para o exílio, é enfermeira durante a I Guerra Mundial; antes desse cataclismo, essa mesma rainha aparece em fotografias em actos de benevolência, numa semi-intimidade na praia da Adraga, quando passa férias no Palácio da Pena; é uma rainha culta, atenta aos problemas da preservação do património histórico, não lhe escapa a necessidade de proteger a Torre de Belém como as escavações de Conímbriga; é uma rainha que desenha e que possui um ateliê no Palácio das Necessidades, sempre discreta, é uma artista que nunca pretendeu ombrear com os dotes de Carlos, o rei que é oceanógrafo e artista exímio.

Os organizadores da exposição tiveram a seu dispor, como fontes principais, a colecção de fotografia do Museu-Biblioteca da Casa de Bragança e a colecção do Palácio Nacional da Ajuda. Em Vila Viçosa há cerca de 50 mil fotografias. A rainha nunca perdeu o seu interesse pela fotografia, está comprovado que não foi apenas um entusiasmo pontual.

A realeza apercebeu-se de que a inovação fotográfica nos jornais e revistas, e demais publicações, não podia ser descurada, passara a ser fundamental mostrar-se o que se fazia, como a realeza se inseria nos interesses do país, mostravam-se os chefes de Estado que visitavam Portugal. Luís Pavão refere as grandes secções que originaram a estrutura da exposição e de algum modo se projectam neste belíssimo álbum: retratos de estúdio, individuais ou de grupo, da família real, parentes e corte; eventos relacionados geralmente com acontecimentos de Estado, oficiais, abertura das Cortes, manobras militares, inaugurações; os álbuns da rainha; as fotografias das propriedades da Casa de Bragança; os álbuns de fotografia oferecidos por visitantes ou empresas externos, dignatários de altos cargos do Estado. Recorde-se que a rainha Alexandra, da Grã-Bretanha, praticava a fotografia, fazia-se acompanhar da sua câmara, tal como o rei Frederico Augusto III de Saxe e sua irmã, a princesa Matilde, transportavam as suas câmaras, e fotogravam a cidade.

São fotografias para guardar, as da intimidade, em álbuns, postas em moldura, os retratos em grupo são fotografias que ficam na posse dos diferentes participantes. E podemos confrontar os trabalhos de fotógrafos profissionais e amadores. Joshua Benoliel é um dos fotógrafos mais próximos da rainha. António Novaes talvez tenha sido o fotógrafo mais próximo de D. Carlos. O fotógrafo José Pinto dos Santos terá acompanhado e fotografado muitos dos grupos, das caçadas e banquetes dos reis realizados no Paço da Tapada de Vila Viçosa. João Pedro Braga Passaporte, pai do fotógrafo António Passaporte, prestava regularmente serviço nas reuniões de Vila Viçosa. Como escreve Luís Pavão, «A evidência de que a rainha fotografava são as próprias fotografias, em que surge com a sua câmara, no próprio acto de fotografar. Dada a presença de várias câmaras, na mão de príncipes e amigos da família real, vemos diversas imagens da rainha e do rei empunhando câmaras fotográficas de vários tipos: de amador, de caixote, câmaras de fole de pequena dimensão e câmaras panorâmicas». Maria de Jesus Monge recorda igualmente que «A fotografia era mais do que um recurso técnico apreciado pela família real. A documentação existente aponta para encomendas de numerosas cópias de poses oficiais, que eram liberalmente distribuídas por familiares e amigos, datadas, dedicadas e autografadas». Juntava-se o útil ao agradável: mostrava-se o fascínio pela técnica, eram reis modernos, os soberanos apareciam nas exposições de fotografias; e estes registos do quotidiano mostravam uma realeza empenhada em cuidar do bem comum, interessados nas coisas do mar, no desporto, pelas belas-artes, o príncipe Luís Filipe visitou parte do império colonial, em 1907, os reis foram à Madeira e aos Açores, tudo era documentado. A rainha mostrava-se atenta aos assuntos patrimoniais e José Alberto Ribeiro fala das suas iniciativas: trabalhos de restauro das Sés de Coimbra e de Lisboa, jardins de Queluz, a criação do Museu dos Coches e apoio às escavações arqueológicas em Conímbriga. Promovia-se a música. Ramalho Ortigão elogiou um projecto da rainha de grande interesse etnográfico e artístico, nomeadamente na classificação de diferentes tipos de bilhas, cestos e fogareiros do país, bem como se interessou pela preservação dos ofícios tradicionais portugueses, caso dos bordados.

É um repositório que mostra uma época e um destino. Quando se vê a fotografia de D. Manuel II no dia da aclamação, em 6 de Maio de 1908, na Mata das Necessidades, montado num cavalo que pertencia ao seu pai, flamante no seu uniforme, não escapa a esta espantosa fotografia de Joshua Benoliel a tristeza de um jovem que sabe que tudo mudou na sua vida inesperadamente, depois do assassinato do príncipe real. É uma pose de solidão que preludia a tormenta e os acidentes do seu curto reinado. Uma imagem que fala por mil palavras.

Álbum de grande beleza, um mimo para os apaixonados da fotografia.

 

Beja Santos

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