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René Crevel

René Crevel [Paris, 1900-1935] descreveu-se numa «Autobiografia» que lhe foi pedida em 1926 pelas Editions du Sagittaire:

Nascido no ano 1900 em Paris, a 19 de Agosto, de pais parisienses; isto permitiu-lhe ter um ar eslavo. Liceu, Sorbonne, Faculdade de Direito; o serviço militar até ao fim de 23 dá-lhe a impressão de só estar, desde há poucos meses, verdadeiramente a viver. Não foi ao Tibete nem à Groenlândia, nem mesmo à América, mas as viagens que não tiveram lugar à superfície tentou fazê-las em profundidade. Pode portanto gabar-se de conhecer, de dia e de noite, certas ruas e os seus hotéis.

Tem horror a todos os esteticismos, sejam os de Oxford e das calças largas, dos negros e do jazz, dos bailes populares, das pianolas, etc. Bem gostaria de encontrar em romances futuros personagens tão nuas e tão vivas como as facas e os garfos com papel de homens e mulheres nas histórias que a si próprio contava quando era criança, e se arriscam a permanecer inéditas. [Note-se que o primeiro capítulo do seu quarto romance, Babylone, intitular-se-á «Monsieur Faca, Mademoiselle Garfo».]

Tinha começado as suas investigações para uma tese de doutoramento em Letras sobre Diderot romancista, na altura em que fundou Aventure com Marcel Arland, Jacques Baron, Georges Limbour, Max Morice, Roger Vitrac, e esta revista permitiu- lhe esquecer o século XVIII e lembrar-se do século XX. Conheceu então Louis Aragon, André Breton, Paul Éluard, Philippe Soupault, Tristan Tzara; e um dia, estava ele à frente de um quadro de Georgio Chirico, teve a visão de um mundo novo. Abandonou definitivamente o velho sótão lógico- -realista, compreendendo que era cobardia sua confinar-se a uma mediocridade argumentadora; e que amava os verdadeiros poetas — entre eles Rimbaud e Lautréamont, sobretudo — que tinham, sem jogos de palavras nem jogos de imagens, um poder libertador.

[...]

Este Crevel que se escolhia e apressava numa «versão para leitores», omitia o já anunciado e pressentido como seu fim precoce e, não podemos deixar de dizê-lo, temperamental. Na nossa família suicidamo-nos muito, avisava com frequência, contando que tinha sido convocado pela sua mãe para ver, ainda muito jovem, o seu pai enforcado — com língua de fora e ejaculação no pano das calças — antes de o despendurarem e horizontalizarem no leito fúnebre.

Era homossexual de bandeira numa época que hostilizava esta frontalidade com os incómodos da exclusão; era fervoroso comunista, olhado de soslaio pelos catecismos morais do partido (ele respondia-lhes: Desde que haja puritanismo, há perigo para a revolução; e o puritanismo, que é um efeito sexual da reacção, corre fortes riscos de arrastar consigo outras reacções. Ainda acrescentava: Nada do que costuma chamar-se um vício alguma vez me aprisionou ou travou. Contraditórias no tempo, todas as minhas sedes — sedes corporais, sedes de álcool, sedes de drogas, de água pura e tinta — conseguiram construir — mais em turbilhão, é verdade, do que em templo grego — esta síntese que me forma a vida). O surrealismo seduzia-o como força nova, capaz de quebrar todos os tabus e dar à existência um novo sentido, mas adaptava-o à sua vocação de golden boy e dandy, enfrentando com sorriso largo e indiferença a homofobia militante e a hostilidade a todos os mundanismos, professadas por André Breton.

[...]

[Aníbal Fernandes]

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