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Leonid Andreiev

Oriol, cidade na convergência dos rios Oka e Orlik, fundada por Ivan o Terrível, tem por baixo de si uma enorme jazida de petróleo que no século XX a desviou dos seus tempos de inocência, alheios às agitações e às perversidades da riqueza fóssil; citavam-na então como pequena cidade industrial com um clima muito frio e convivência difícil com quase todas as actividades agrícolas. Mas Oriol já se orgulhava de muitos dos seus filhos que ficavam célebres em quase todas as áreas da celebridade; tinha nos seus registos cientistas, políticos, filósofos; nas artes os versos do poeta Afanasi Fet, as sinfonias de Vasili Kalinnikov, os romances de Ivan Serguéievitch Turguéniev. E a 8 de Agosto de 1871 — precisamente nos dias em que os leitores russos se espantavam com a volumosa novidade a que Liev Tolstói chamou Guerra e Paz (ou Guerra e Povo) — acrescentava-lhes um Leonid Nicolaevitch Andreiev, o que viria a ser, numa extensa obra de penumbras e pessimismos, o autor deste Riso Vermelho.

Mais velho entre seis filhos de um topógrafo que enfeitava as tabernas de Oriol com demonstrações de uma força hercúlea e o espectáculo de uma turbulenta embriaguez, habituou-se desde cedo a viver num mundo de apertadas economias, mas com defesas de espírito que o afastavam das disciplinas que tinha, por infância e regra social, de respeitar. Dos seus anos de estudante preguiçoso e sonhador há este elucidativo parágrafo na sua Autobiografia: Nunca fui bom aluno; na sétima classe fui sempre o pior, e os professores davam-me más notas por não me aplicar. O tempo mais agradável que passei no colégio, e ainda recordo com prazer, foi o dos intervalos entre as aulas, os recreios, ou quando os professores me punham fora da aula — não com muita frequência, é verdade — por falta de atenção ou de respeito. Nos largos corredores desertos reinava um silêncio sonoro que vibrava com o solitário ruído dos meus passos; de um e outro lados, portas fechadas de salas de aula cheias de alunos; um pequeno raio de sol — um pequeno e livre raio de sol — brincava com o pó levantado durante o recreio porque não tinha ainda pousado; era tudo misterioso, fascinante, cheio de um especial e secreto sentido.

[…]

A Rússia soviética ignorou-o, escondeu-o até ao degelo de Nikita Khrushchov. Antes disso o nome de Andreiev conformou-se com muitos anos de apagamento, com uma fama de escritor para burgueses do Ocidente, sussurrado e muito raramente referido no seu país natal. Em anos estalinistas, com a Sibéria presente como nunca à distância de uma frase, e a imagem dos «incómodos » quimicamente apagada dos retratos, era lido às escondidas e em velhas edições saídas da segunda fila, em estantes de russos mais velhos que as resguardavam da ceifa comunista. Os seus restos físicos estão hoje em São Petersburgo, assinalado com um singelo pilar prismático no cemitério de Volkovo; perto dele Blok, Kuprin, Leskov e Pavlov; a dois passos de Turguéniev.

[Aníbal Fernandes, in «Apresentação» de Riso Vermelho]

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