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Tristan Bernard

Paul Bernard nasceu no ano 1866 em Besançon (na mesma rua onde tinha vindo ao mundo, sessenta e quatro anos antes, Victor Hugo: — ele no 138, diria mais tarde Bernard, e eu com maior modéstia no 23). Como o seu pai (pertencente à comunidade judaica de Foussemagne) criava, vendia e alugava cavalos, teve sob esta sombra paterna uma infância com admirações hípicas; mas nesses provincianismos pendurados nas montanhas do Jura, e tão a leste na França que eram quase Suíça, também cedeu a precoces seduções literárias e teatrais. Contava-se que muito menino já soletrava, encantado, o que à frente lhe surgia em letra de forma; e aos seis anos de idade saíra transtornado — transtorno quase febril — de uma representação de La Fille de Madame Angot, ópera-cómica de Charles Lecocq que se fizera à aventura pelas lateralidades oitocentistas de Bensançon.

Paul Bernard cumpriu parte do seu liceu na terra natal. Mas viu-se aos treze anos de idade em Paris, instalado com a sua família na rua Richer (essa mesmo, onde persistem as Folies Bergère) porque monsieur Bernard agora se interessava por negócios imobiliários. Esgotados os estudos do parisiense Liceu Fontanes, Paul passou ao Direito da Sorbonne; e em 1888, com vinte e dois anos de idade estava licenciado — embora sofresse, a par deste êxito académico, o contratempo de um casamento oficiado à pressa, não fosse a Suzanne Bomsel, que ele amava, fazê-lo antecipadamente pai do que seria Jean-Jacques Bernard, o futuro autor dramático (nesta vocação menos abençoado pelo êxito do que o seu pai).

Paul, como advogado estagiário bem depressa se fartou da barra dos tribunais; e por causa disto o seu pai, também proprietáriode uma fábrica de alumínios em Creil (no Oise), pô-lo a gerir e sses interesses da sua bem sucedida expansão industrial. Mas… Paul Bernard a interessar-se por alumínios? Com as elevadas responsabilidades de uma gerência no Oise? Que prazer poderia dar-lhe a obrigatória visão daquela desmantelada vizinhança neolítica que diziam ser restos de uma necrópole da Idade do Ferro? O que lhe importava um ermo onde chegavam com tão grande atraso, se chegassem, os ecos de Paris? O já tão parisiense Paul Bernard não suportou uma convivência quase exclusiva com os alumínios que o seu pai fabricava nesse norte da França; tinha em Paris amigos ligados à literatura, uma audiência que ele fazia rir com o seu destemperado humor; tinha em Paris os teatros que lhe alimentavam o irreprimível fascínio pelas artes do palco. Paul, com Suzanne já grávida de um segundo filho — o Raymond Bernard que viria a ser realizador de trinta e um filmes (citem-se apenas Croix de bois em 1932 e Les Misérables em 1934) — regressou a Paris porque lhe tinham oferecido a direcção do velódromo Buffalo no auge de uma fama que congregava ciclismos e hipismos junto da Porte Maillot de Paris.

A capital e esse final de século propício a aventuras destabilizadoras pareceram-lhe ideais para uma revista «diferente» (mas efémera, hélas!), à qual deu o inesperado nome Le Chasseur de Chevelures (O Caçador de Cabeleiras, nome inspirado pelo título de um romance de Mayne Reid — em inglês The Scalp Hunters), revista de apenas três números independentes, antes de surgir mais modesta como suplemento da Revue Blanche.

Nesses dias de 1894, Paul Bernard também passaria a escritor publicado em livro, um livro que se chamava Vous m’en direz tant! Mas o Paul… o Paul de todo aquele convívio, de todos aqueles amigos, era agora em letras impressas Tristan. Dever-se-ia o novo nome a uma irreprimível admiração por Wagner? Não — ouviram-no dar como resposta. — Devo a homenagem ao cavalo que mais dinheiro me fez ganhar. Um dia, no Buffalo, apostei no Tristan; e ele, mostrando um imenso brio de corredor, retribuiu com elevada soma a minha confiança.

No ano seguinte, Tristan Bernard escreveu a sua primeira peça teatral: Les Pieds Nickelés, um assinalável êxito que o incitou a desdobrar-se por uma espantosa abundância de cometimentos teatrais e crónicas que o transformaram em autor de comédias célebre, em humorista de jornais célebre — nessa época só a sofrer comparações com Alphonse Allais.

Este Bernard de pena diligente deixou atrás de si uma prolongada bibliografia: pelo menos trinta e nove títulos em prosa espalhados por crónicas e romances, pelo menos quarenta e cinco peças de teatro com uns quantos momentos de eleição — entre eles Langevin père et fils, Le Sauvage, L’Anglais tel qu’on le parle e Jeanne Doré, os cinco actos que chegaram à Comédie Parisienne e aos gestos largos de Sarah Bernhardt.

Tristan Bernard viveu até aos oitenta e um anos de idade.

[Aníbal Fernandes, «Apresentação», Entre a Espada e a Parede]

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