Dentre os escritores portugueses esquecidos, Júlio Dinis é, possivelmente, o mais famoso. A publicação que temos em mãos, simples, delicada e leve, dá corpo a um apaixonado e refinado trabalho de investigação e de edição, e consubstanciou-se da forma mais eficaz até hoje inventada para se conhecer a obra de um autor: a leitura. Melhor dizendo, a leitura amorosa.
À medida que vamos folheando as mais de 800 páginas deste Imaginário — que preferencialmente deverá ser percorrido dia-após-dia, respeitando a sua organização em forma de diário, mas que também podemos ler de um jacto ou guiados pelo acaso da abertura de página —, vamos (re)descobrindo fragmentos dos sucessivos romances de Júlio Dinis (cujos títulos nos soam sempre estranhamente familiares, como se nos pertencessem), permeados de poemas, trechos de cartas, reflexões do autor e, como se não bastasse, de imagens de pranchas do seu inesperado Herbário, de objectos que possuiu em vida e que velavam a sua escrita, mas também de citações, desenhos ou pinturas de outros autores aparentados em estilo ou em espírito.
A organização em palimpsesto desta edição activa, de facto, todo um conjunto de ressonâncias ou de fulgurações que, fatalmente, estimulam a nossa curiosidade de leitor e nos revelam a generosidade e a complexidade de um autor sempre atento àquilo que o rodeava: ávido de viver e de sorver o mundo, desejoso de todas as formas de existência.
Joaquim Guilherme Gomes Coelho, conhecido por gerações inteiras e sucessivas de leitores e de não-leitores como Júlio Dinis — e desconhecido de tantos enquanto Diana de Aveleda, o seu pseudónimo de género feminino —, desaparecido aos 32 anos incompletos, deixou-nos fiéis depositários de uma obra extensa que se declina em múltiplos formatos, que se estilhaça em muitos fragmentos — romance, poesia, cartas, crónicas, teatro, um herbário.
Mas é nos intervalos desses escritos que reside verdadeiramente o segredo, a magia do seu pensamento e do seu compromisso com o mundo e com os outros, com as pessoas, com os animais e com as plantas; naquilo que liga mas que não se vê, que não se evidencia em positivo mas em negativo: o fôlego, o ânimo. Que possamos agora respirar por ele, reanimando a sua obra.
[Nuno Faria]
Com o Museu da Cidade (Câmara Municipal do Porto).