Findo o ciclo colonial, temos assistido a uma renovação do interesse por alguns espaços que compreendem, justamente, essa geografia remota. O Oriente vem ganhando forma não só enquanto horizonte espiritual e filosófico, mas também integrado num processo de revisão das grandes aventuras marítimas e da História.
Certas noções, certos juízos, pela força do hábito, ganham o estatuto de inquebráveis na linguagem e na memória. Estabelece-se uma convivência pacífica entre o nosso discernimento e eles. Mas se lhes damos algum tempo, um olhar mais apurado, percebemos que afinal são frágeis, instáveis — que rapidamente acusam o toque. É sobre um desses binómios aparentemente inabaláveis que me proponho reflectir neste preâmbulo.
Em que termos nos habituámos a distinguir o Oriente do Ocidente? Quais os critérios que nos impelem a compor instantaneamente estas duas ideias? É natural que nos satisfaça, numa primeira tentativa de classificação, o critério geográfico — no fundo, parte da nossa formação está filiada na ideia de que Ocidente e Oriente constituem dois espaços físicos distintos. Mas a simples separação entre Europa e Ásia (como sendo o Ocidente e o Oriente, respectivamente) fica desde logo condenada ao fracasso: cabem na nossa ideia de Ocidente vários espaços geográficos que se encontram fora da Europa (como os Estados Unidos, o Canadá ou a Austrália) e, por sua vez, a nossa ideia de Oriente não exclui países legitimamente europeus (como a Turquia) ou norte-africanos (como a Tunísia, a Líbia ou Marrocos).
Tal acontece porque a separação entre Ocidente e Oriente depende — tem dependido ao longo dos séculos — de uma linha geográfica imaginária: se fizermos voo raso sobre os limites dessa geografia, para a qual Edward W. Said (1978) nos ensinaria a olhar, percebemos que ainda hoje o Oriente se traduz numa amálgama de espaços, alguns consideravelmente distantes, cujas raízes históricas, políticas, religiosas, culturais não podiam ser mais variáveis. O Oriente continua então a corresponder a uma vasta e ilusória colecção de imagens que vão da Índia a Marrocos, do Japão ao Egipto, do Irão à China. Assim, compor essa linha imaginária obriga-nos a rever também concepções temporais, históricas, que estão na origem das duas ideias.
[Catarina Nunes de Almeida]