Joséphin Péladan: «A beleza de um homem está no que ele tem de feminino, a beleza de uma mulher no que ela tem de masculino…»
Por volta de 1880, o mundo literário francês surpreendeu-se com um ser extravagante, vestido de uma forma que não ocultava o desejo de destoar entre as modas normalizadas da época; que exibia uma longa barba untada com óleo de cedro e cheirava intensamente a um somatório de sete perfumes (correspondendo cada um deles a um planeta). E era vulgar, em salões frequentados pela alta sociedade de Paris, mostrar-se com golas de renda de onde pendia um ramo de violetas, e com luvas de pele de veado enfeitadas a dourado.
Chamava-se Joseph-Aimé Péladan, mas surgia na literatura e no jornalismo com o seu nome ligeiramente alterado para Joséphin Péladan; gostava, no entanto, que o tratassem por Sâr Mérodack, com os mais cultos a não ignorarem que Mérodack era um nome que tinha soado na alta esfera da velha Babilónia, e Sâr significava nada menos do que «rei» na língua assíria.
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A passagem dos anos deu-lhe direito, com o ensaio De l’Androgyne (a sua primeira edição é de 1910), à sobrevivência literária. O tema, que lhe era caro e Mario Praz considera no seu livro La carne, la morte e il diavolo uma obsessão da literatura decadente, tinha nove anos antes surgido como centro dos seus dois romances de 1891, L’Androgyne e La Gynandre (termo inventado para designar o correspondente feminino do andrógino).
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Péladan afasta o andrógino da ginandra. Se o seu andrógino literário é um adolescente virgem e com qualquer coisa de feminino numa simbiose dos sexos que corresponde ao «sexo inicial, sexo definitivo, absoluto do amor, absoluto da forma, sexo que nega o sexo, sexo da eternidade» (termina ele assim o seu poema «Hino ao Andrógino», a lembrar-se da forma humana que os Eloim criaram andrógina, diz ele, apoiado numa versão do Génesis não adoptada pelas religiões cristãs), a sua ginandra só é uma usurpadora que faz uma grotesca imitação da virilidade.
[Aníbal Fernandes]