Doris von Drathen: «Quem olhar com mais atenção para a obra de Maria Capelo, depressa deparará com a seguinte descoberta: esta pintura não só mostra a impossibilidade de repetição, como também questiona fundamentalmente os objectos pintados.»
Com uma obsessão que se alimenta da ideia da necessidade de busca permanente pela essência do seu trabalho, Maria Capelo conseguiu desenhar ou pintar repetidamente, ao longo de anos, uma mesma montanha, um caminho, algumas árvores, uma encosta, sem nunca se cansar, sem nunca pensar que já observou suficientemente esse pedaço da natureza. Efectivamente, as suas pinturas e desenhos testemunham reiteradamente a espantosa novidade com que deparamos com cada montanha, caminho, grupo de árvores, encosta, como se nunca os tivéssemos visto antes. A repetição não existe — essa parece ser a primeira coisa que o seu universo pictórico nos mostra.
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Para Maria Capelo, existe uma equação entre o gesto de desenhar e o objecto observado. Para ela, a linha não é realista nem abstracta; a linha está viva. Mas como é possível alcançá-la? A artista explica nas suas próprias palavras: «A linha pode sempre ser, ao mesmo tempo, com o mesmo valor e a mesma importância, um ramo de árvore e uma linha; uma linha no sentido mais geométrico e abstracto. Eu parto sempre de um ramo. E o importante é não o trair, não o exagerar, não o estragar. Mas para que isso se produza, isso não implica, em caso algum, conservar a sua aparência. Esse ramo, essa linha, é livre e pode passear-se por muitos caminhos. Só a pintura, só a ficção, podem fazer-lhe justiça e manter vivo o ramo de uma árvore.»
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À semelhança de alguns escritores que receiam o perigo das palavras e o do seu potencial de se ligarem demasiado depressa aos objectos, Maria Capelo tenta preservar ao máximo a liberdade da linha que ainda não está ligada a nenhum objecto. É o que acontece, por exemplo, nalguns dos seus desenhos de 2022 apresentados na exposição O dia já fecha as portas.
[Doris van Drathen]
Com um ensaio de Doris van Drathen.
Edição bilingue: português-inglês.
Com a Fundação Carmona e Costa.