«Pena, abençoada pena, só tu impões silêncio aos meus órgãos, aos meus nervos, a todos os anarquistas do meu mundo interior.»
Em 1899, um seu professor de letras e retórica já suspeitava que houvesse nele qualquer coisa que fugia ao habitual, mas ainda assim acautelava-se: «Bom aluno, trabalha a sério quando se interessa. Em francês é muitas vezes capaz de engenhosos achados. Parece-me que poderá dar conta do recado.»
Em 1906, quando Jules Supervielle teve de escolher o que mais convinha à sua formação académica hesitou entre opções que se espalhavam por uma grande variedade de futuros profissionais. Sentiu a tentação de frequentar a Escola de Belas-Artes (ele era hábil a desenhar); noutros momentos era atraído pelo Direito, e também pelas Ciências Políticas, e também pelas Letras. Venceram as Letras, com incidência no Espanhol que os seus anos de Uruguai lhe tinham dado como segunda língua. Mas exercitou-se noutros idiomas. Supervielle chegou a falar bastante bem o inglês, o italiano, e a desembaraçar-se aceitavelmente em português.
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Jules Supervielle, reconhecido poeta e pai de quatro filhos, com um pé no Uruguai e outro na França foi escrevendo versos e prosa. Houve os versos de Débarcadères (1922), de Gravitations (1925), de Le Forçat innocent (1930) e de tantos outros livros, mas também os romances L’Homme de la pampe (1923), Le Voleur d’enfants (1926), Le Survivant (1928), os contos L’Enfant de la haute mer (1931), de L’Arche de Noé (1938) e as peças teatrais La Belle-au-Bois (1932), Bolivar (1936)…
Em Novembro de 1925, Rilke escreveu-lhe uma extensa carta que não se poupou a admirações e onde pode ler-se: «É muito belo, cria uma continuidade que paira por cima dos abismos…» Um reconhecido Supervielle respondeu-lhe: Como posso agradecer-lhe, a si, que me pôs nas mãos archotes que tanto me confortam como iluminam? Graças a si, agora digo: sim, é de facto o meu corpo e o meu espírito que ali estão, muito agarrados a mim; sou realmente aquele que nasceu do outro lado do Equador, no outro rosto da terra, que chegou a duvidar de si e da sua sombra num mundo que explode com uma violência que de todas as partes lhe chega.
[Aníbal Fernandes]