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O FOGO-FÁTUO
23-11-2016
Deduzimos da belíssima capa deste curto volume o honesto prenúncio do que lá encontraremos dentro: o desesperante vazio pintado por uma literatura estilisticamente exemplar onde o diálogo assume importante parte da noção fotográfica da obra, a narrativa o seu espectro meditado com raro fulgor. O primeiro texto que surge no livro, seu homónimo, é uma novela que camufladamente biografa os últimos dias de Jacques Rigaut (na capa, por Man Ray), e se por vezes nos parece que Drieu la Rochelle faz do seu amigo uma caricatura, noutras se nota uma despojada compaixão. Sabemo-lo também pela saborosa apresentação de Aníbal Fernandes, que nos dá a conhecer um autor que partilha com Céline, Pound, Mishima ou Brasillach o panteão dos odiados políticos usufrutuários de excepcional talento literário. Circula-se pelas páginas de «O Fogo Fátuo» numa espécie de encantamento agonizante, observando-se a inexorável decadência do seu protagonista, sem lágrimas nem suspiros. Na máscara de Alain lemos um Rigaut frívolo, irremediavelmente insatisfeito e incapaz de sustentar vontade própria, sucumbindo repetidamente aos vícios e ao vazio da vida breve. Lemo-lo e sentimos a vertigem do iminente precipício. Consegue o autor este efeito através de uma escrita de concentrado teor poético, depurada porém de demoras descritivas. Em «Adeus a Gonzague», segundo e último texto do livro, encontramos um duríssimo ajuste de contas de La Rochelle com o seu protagonista do texto anterior, aqui invocado sob o nome Gonzague. É um depoimento estreme, violento e honesto para lá do que comummente se encontra na literatura confessional, como uma mandíbula de tigre que se feche sobre o leitor atordoado, destroçando-o. É um livro que tem tanto de perturbador como de comovente e necessário.
Guilherme Geraldes, in Sol |
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