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Francis de Croisset

Marcel Proust, que enchia o tempo perdido com personagens da vida real ajustadas aos exemplos da sua criação, inspirou-se em Francis de Croisset para aquele Albert Bloch, autor dramático de origem judaica que fala afectadamente de Racine e mais tarde, com fama conquistada e estranho nome — Jacques du Rozier — surge com atitudes e sobrancerias de um sofisticado chic inglês. A sua literatura copiou, da convivência com Croisset, o que lhe pareciam tiques de uma frívola e petulante transformação.

Ora, o verdadeiro Bloch vivia em Paris e era um Franz Wiener (ainda não Francis nem De Croisset) judeu de origem belga nascido em 1877 numa família abastada de Bruxelas. Com mãe inglesa que lhe tinha feito soar desde a infância o bom e altivo sotaque de Oxford; com um pai pintor e um avô paterno, gravador famoso a quem cabia a honra de ter gravado o primeiro selo de correio belga. No entanto, estas garantias de vida não molestada por dificuldades materiais não chegavam para dar uma resposta aceitável às suas maiores aspirações. Franz Wiener, com vinte anos de idade acrescentou-se à lista dos belgas fascinados pelos encantos culturais de Paris. E para lá foi a fazer versos, a escrever prosas onde se pressentiam o tom e a agilidade que denunciam boas vias para o jornalismo, a mostrar que amava a vida com tudo o que ela oferecia aos de uma sociedade culta e mundana, a impressionar pela invulgar graça snob do trato, a que lhe garantiu boa presença e fama nos salões. Protegido desde logo por Octave Mirbeau e por Clemenceau, que acreditaram na promessa literária que brilhava nos constantes rasgos do seu talento verbal, escreveu para Le Figaro, para Le Gaulois, para a Revue des Deux Mondes.

Mas Franz Wiener, com um apelido que o deixava preso ao desconforto da sua ascendência judaica numa época abalada a cada passo por fortes reacções anti-semitas, queria ser francês por inteiro. E conseguiu-o, registado como cidadão da França nos papéis da identidade e a poder mostrar-se sob a maior inocência de um nome que era Francis Wiener de Croisset. (Ele explicava ao espanto dos mais próximos o seu De Croisset por um apego sentimental a Flaubert, que datava a sua correspondência de um lugar com este nome.) No entanto, Wiener talvez soasse excessivamente a germânico e a judaico para os seus desejos de «inegável autenticidade francesa»: esqueceu-o, portanto, e amputou-o para poder chamar-se (na literatura e fora dela) apenas Francis de Croisset.

[…]

Os seus últimos três anos de vida, desde 1934 a 1937, foram vividos de novo em Paris e na avenida Gabriel, ali tão perto da praça da Concórdia, numa moradia hoje referenciada com o seu nome. Em 1935 publicou La Dame de Malacca, um romance; no ano seguinte, o Thêatre des Ambassadeurs levou à cena Le Pélican ou Une étrange famille, uma peça escrita por si mas adaptada de Somerset Maugham; mas já não conseguiu terminar La Côte de Jade, onde fazia o relato de uma sua viagem à Indochina francesa. Francis de Croisset somava patologias com forte probabilidade de uma falência orgânica. Morreu com sessenta anos de idade no hospital americano de Neuilly-sur-Seine.

[Aníbal Fernandes, «Apresentação», As Magias do Ceilão]

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