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Princesa Lucien Murat

Houve quem reparasse — com a Índia, o Egipto e Pitágoras bem firmados na sua cultura — que Augustine Joséphine Agnès Marie de Rohan Chabot tinha nascido numa época em que a alma de George Sand, ansiosa e fora de corpo, vagueava entre Nohant e Paris à procura de um novo alojamento; e que teria encontrado em Paris, na madrugada de 24 de Maio de 1876 e numa das casas elegantes da rua De La Tour-Maubourg (numa família de sociedade alta, como convinha à alma de Sand, baronesa de Dudevant) a recém-nascida ideal para a sua transmigração. Diziam esses convictos que Sand se entregara de alma a uma futura escritora; que lhe transmitira talentos literários e desenvolturas de comportamento capazes de esgrimir contra a apertada condição feminina da sua época. Convenhamos, porém, que isto se fazia em tom menor. Sand tinha posto um ostensivo George masculino no seu nome da literatura; vestira trajos masculinos e olhara o mundo com um charuto viril, aceso entre os dedos (contradições numa luta que achava útil travestir-se até ao homem para reivindicar os direitos da mulher). A futura Princesa Lucien Murat, essa, iria manter-se com bem visíveis atributos do seu sexo. George Sand entregava- se masculinizada a Chopin e a Musset, desviando para o leito uma bem aceite sugestão homossexual; mas Marie (escolhamos este nome próprio entre os quatro que lhe enfeitaram o baptismo) amaciava o Lucien masculino do seu nome literário com o atributo bem feminino de Princesa, e nos amores mostrava-se (seja dado este nome a ligações só muito vinculadas a compromissos sociais) integralmente mulher. Foi durante toda a vida «grande dama» da sociedade francesa, embora hostil às limitações impostas ao seu sexo; e sem se importar de dizer, para mostrar desenvoltura: Eu preferiria ter má reputação do que não ter nenhuma.

[…]

Aos setenta e cinco anos de idade uma congestão cerebral deixou-a paralisada. O seu sobrinho, duque de Rohan, escreveu: «Contemplava-nos com um ar interrogativo e inquieto, como um pássaro sem asas. Encolhida na ponta da cama, dir-se-ia que era uma rapariguinha frágil. O seu velho marido, tão apaixonado por ela como no primeiro dia, desamparado e infeliz esforçava-se por não deixar cair a conversa dizendo-nos como era favorável à eleição de André Gide na Academia Francesa.» A sua alma george-sandesca teria por sua vez transmigrado para outra escritora do seu país? Que uma mesa de pé-de-galo nos responda. 

[Aníbal Fernandes, «Apresentação», A Vida Apaixonada da Grande Catarina]

 

Fotografia de Berenice Abbott.

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