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Sheridan Le Fanu

[…] Querendo usar de mais precisão, chamava-se Joseph Thomas Sheridan Le Fanu. Este escritor, a dar mostras de um fantástico que talvez utilize apenas esse rótulo para explicar forças mal compreendidas pela mera percepção humana e a servirem como projecções de angústias, estendeu a sua sombra por outros tantos escritores espalhados pelo mundo. Por exemplo, Robert Louis Stevenson foi colher inspiração na novela Mr. Justice Harbottle para escrever o seu incompleto romance Weir of Hermiston. Podem encontrar-se ecos da sua obra no belga e esquecido Jean Ray. E veja-se que também chegou a Arthur Machen, esse obscuro galês. De maior notoriedade, Henry James sentiu-lhe a influência (e na sua breve novela The Liar chega a colocar estas palavras na boca do narrador: «Havia o habitual romance de Mr. Le Fanu na mesa de cabeceira; leitura ideal numa casa de campo para as horas depois da meia-noite.»)

Essas mesmas neblinas que envolveram os vultos de variados escritores (e penetraram as suas obras), abraçaram também Sheridan Le Fanu em 28 de Agosto de 1814, em Dublim, quando ele veio ao mundo. Poder-se-ia dizer que há seres marcados para a literatura, que existe um destino cuidador quanto a essas escolhas. Este futuro e portentoso escritor teve como pai Thomas Le Fanu, pastor numa igreja que não devia ficar muito longe dali. A sua mãe, como costuma suceder nestes casos, era uma mulher provida de cultura. E quanto a esse talvez curioso apelido que é Le Fanu, pode ser explicado por uma descendência francesa a conhecer antepassados normandos, huguenotes a dar à sola por causa do édito de Nantes promulgado por Henrique IV, ele que só queria apaziguar as guerras religiosas.

Esse pai cheio de fé vai ocupar-se da educação dos filhos, que nessa altura, além de Sheridan, conta ainda com uma Catherine Frances, e talvez não seja descabido fixar este nome, irá perceber-se porquê. Mas seguindo a indelével marcha da vida, Sheridan dá-se ao saber desse pai e aprende coisas úteis. Nessa utilidade existe uma aprendizagem distinta da língua francesa. Talvez isso ajude a explicar a sua escrita largamente preocupada com delicadezas estilísticas a conferir-lhe méritos apreciáveis. E, portanto, as aspirações literárias surgem cedo na sua vida: conta o seu irmão, terceiro e último rebento dos seus pais, que Sheridan Le Fanu não andaria pelos quinze anos quando praticava poesia que «dava mostras de uma profundidade de imaginação e sentimento invulgares num rapaz dessa idade.»

Apoiado por um pai que parece achar melhor que ele seja advogado, Sheridan vai estudar direito para o Trinity College, mas essa coisa das leis não lhe agrada lá muito. Se é certo que termina o curso e obtém o diploma, também é certo que não exercerá essa profissão. Tinha a literatura a piscar-lhe um olho sedutor, e ele estava de amores com ela. Além disso, parece que o escritor também será jornalista.

[…]

Depois de ter escrito Carmilla, Sheridan Le Fanu não fez, no entanto, surgir muitos mais prazeres literários. Com a sua vida a aproximar-se do fim, encontrava-se a viver num isolamento apenas perturbado pela sua filha Frances. Diz-se que mal comia e passava os dias na cama, a beber apenas copiosas quantidades de chá preto. Escrevia e não parava, ficando num estado de exaustão total. Também se diz que a madrugada de 7 de Fevereiro de 1873 foi a sua última neste mundo; preparava-se para escrever um texto intitulado Pronto para Morrer, e apagou-se.

[Diogo Ferreira, «Apresentação», Carmilla]

 

 

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