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«Cada livro é uma pedagogia destinada a formar o seu leitor»
26-06-2017

Rita Basílio nasceu em Leiria, em 1972. É Mestre em Estudos Portugueses pela Universidade Nova de Lisboa e doutorada em Literatura Portuguesa Contemporânea, pela mesma Universidade. Actualmente é investigadora de pós-doutoramento pela FCT, com um projecto intitulado “Por uma Pedagogia Crítica e Criativa”, em torno da obra infanto-juvenil de Manuel António Pina. Autora, entre outros, dos ensaios Manuel António Pina — Uma Pedagogia do Literário (Documenta, 2017) e Mário de Sá-Carneiro − Um Instante de Suspensão (Vendaval, 2008). Tem publicados dois livros para crianças: A Bela Desaparecida (Porto Editora, 2007 — Prémio Literário Hans Christian Andersen, da Cidade Figueira da Foz) e O Lápis Azul (Textiverso, 2008).

 

Acaba de lançar um ensaio sobre a obra sobre Todas as Palavras de Manuel António Pina, intitulado Manuel António Pina, uma Pedagogia do Literário. Qual a razão da sua escolha?

 

Escrevi um ensaio sobre Todas as Palavras de Manuel António Pina porque por vezes acontece (aconteceu-me) não estarmos preparados para começar pelo que “escolhemos”. Dentro da obra de MAP, eu tinha escolhido reflectir sobre a sua escrita dita “para crianças”. Levei dois anos (enquanto lia, paralelamente a sua poesia) a perceber que não me cabia a mim “escolher” por onde começar, mas à obra. Mantive o título do primeiro ensaio falhado porque fortaleci a convicção (sublinhada desde o início por Arnaldo Saraiva, por exemplo) de que não há uma diferença poética de fundo entre os textos em verso e os textos em prosa do autor, seja qual for a forma como os decidamos catalogar.

 

Significa isso que o autor resiste a uma catalogação tradicional?

 

Estou convencida que a Obra resiste (intransige mesmo, ou é irredutível) a qualquer catalogação tradicional (ou outra). MAP não se opôs (não são essas as suas preocupações) à distribuição da sua escrita por “géneros” — lírico, narrativo, dramático… ou por “subgéneros”, ou seja o que for –, mas não deixou de expressar, com acutilância, o que pensava sobre a tirania das “catalogações” e sobre as consequências críticas — para a leitura de uma obra (falando, no caso, a propósito da subvalorização da literatura infantil) — que delas derivam : “Trata-se de algo mais ridículo e perigoso: a hierarquia dos géneros (já não bastavam os géneros!) Trata-se da militarização da literatura: a epopeia é o general, a quadra popular o soldado raso… É ridículo!”

 

Parte da ideia deleuziana de literatura «menor» para entrar na obra do poeta. Porquê?

 

A primeira “razão”, digamos assim, foi-me solicitada precisamente pela Literatura infantil. O hábito de se considerarem “menores”, em sentido comum, os textos vulgarmente catalogados como “infantis”, ou “para crianças”, advém fundamentalmente das formas de uso de tais textos; subestimamo-los por um preconceito inconcebível: o de os considerarmos “destinados” a crianças, como se este “destino” não fosse, afinal, a mais alta e imprevisível promessa de futuro.

O conceito de “Literatura Menor”, no sentido em que é proposto por Gilles Deleuze e Félix Guattari, remete para um particular uso da língua que não só não visa a adequação aos preceitos e valores consignados como “maiores” pelas instituições políticas e literárias dominantes ‒ questões de autoria, questões de géneros, questões históricas, socio-ideológicas, etc. ‒ como resiste a qualquer institucionalização, desconstruindo, de dentro, os seus modelos, estratégias de poder e discursos legitimadores. É num uso menor da língua que o “poder” é, intransigentemente, posto em questão e em causa em favor de uma aproximação ao “impoder” — ao que é sem legitimação institucionalizável, ao que é marginal, ou imperceptível, ao que é imprevisível e singular — numa palavra: ao menor. Há, inapelavelmente, uma dimensão política em toda a Literatura Menor, a própria língua é irredutível e insubordinável aos ditames dos discursos dominantes. Foi isso que senti, desde as primeiras leituras, que acontecia na obra de MAP. Trata-se da invenção de uma língua dentro da língua ‒ da aprendizagem de um novo idioma, daí a “pedagogia”. Uma Literatura Menor, prescindindo, por condição e definição, dos modelos, conceitos e valores oficiais, solicita a invenção da uma outra forma de inteligibilidade ‒ é da leitura que tal escrita devém. Numa das entrevistas que deu, MAP é peremptório neste ponto: “A literatura é feita também (sublinha-se também) pelos leitores que a lêem”.

Não consegui (ainda?) aprender em que língua falam os livros “para crianças” deste poeta, e não há garantia alguma de que isto possa vir a acontecer. As obras falam, para além do que dizem — “É o infalável que fala” — diz MAP; toda a obra é um “infalável que fala”. Enquanto eu só conseguir ouvir os ecos dos meus próprios lugares comuns, enquanto só ouvirmos o que estamos habituados a dizer, não aprendemos nada, nada nos muda, mais vale ficar calado.

 

O título do seu livro, Uma Pedagogia do Literário, é irónico?

(...)

 

Ler o texto na íntegra.

 

 

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