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«Seres deslumbrantes entre uma corte antiga e um mundo novo: a última geração de um Portugal verdadeiramente atlântico», por Beja Santos
05-04-2018

O livro intitula-se “O Cavaleiro Brito e o Conde da Barca” por Patricia D. Telles, Documenta, Sistema Solar, 2018. Aquilo que parece uma insignificância, é um ensaio de historiografia que nos remete para a Corte Portuguesa no Rio de Janeiro, para os ideais das Luzes e para uma nobilíssima amizade, tudo a propósito de uma caravana de artistas e artífices que desembarcaram no Brasil, grupo que acudia as ordens do Príncipe Regente, influenciado por aquele que era então o seu mais importante ministro: António Araújo de Azevedo, Conde da Barca. É em Paris, naquela atmosfera compulsiva da queda do bonapartismo, que um diplomata português, amigo fidelíssimo do Conde da Barca, o chevalier Francisco José Maria de Brito negociou a partida do grupo, prestando apoio financeiro do seu próprio bolso. O cavaleiro Brito procedia com entusiasmo, queria dar a sua modesta contribuição para a construção de um novo Império liderado, lado a lado, pelos reinos de Portugal e Brasil.

E o que parece ser uma insignificância revela-se um estudo fascinante, vão participar neste quadro histórico homens como o poeta Filinto Elísio, cientistas de nomeada como o abade Correia da Serra, o naturalista José Bonifácio de Andrada e Silva, diferentes diplomatas, os artistas e artífices franceses, está omnipresente o sonho do progresso, impunha-se a modernização, criar academias, promover a ciência, expandir o artesanato, promover a arte e as ciências. O Conde da Barca dinamizou a fundação da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, eram bem-vindos os mestres oriundos desse país desenvolvido que era a França. A historiadora dá-nos o retrato a corpo inteiro do chevalier Brito e do Conde da Barca, a educação de ambos, a sua proveniência, a linhagem. Tudo redigido de forma vibrante, sem dar pausas ao leitor. Uma simples amostra:

“Para entendermos melhor quem era Brito – oficialmente, apenas um funcionário público – precisamos agora de descobrir o que significava, em finais do século XVIII, a carreira que iria exercer. Numa época em que muitos fidalgos permaneciam quase analfabetos, um funcionário público era, antes de mais nada, alguém que sabia ler e escrever.

E aqui a figura do Marquês de Pombal volta a pairar sobre o futuro do rapaz. Consciente das limitações educacionais das elites tradicionais, o marquês criara, em 1761, o Real Colégio dos Nobres. Seu objetivo era aprimorar a educação dos jovens aristocratas. As vagas eram limitadas: apenas 24 pensionistas se mudavam para o edifício a cada ano, cada qual com o seu criado. Dedicado à nobreza, o colégio aceitava também rapazes com mais dinheiro do que títulos.

Francisco José Maria de Brito não entrou para essa instituição. Talvez não fosse suficientemente nobre, nem suficientemente rico. Mas irá para a melhor escola a seguir, outra invenção de Pombal, o Real Colégio de Mafra. Fundado em 1772, mais de 10 anos depois do Colégio dos Nobres, no Convento do mesmo nome, pretendia, segundo o alvará da sua fundação: estender também o mesmo benefício à Mocidade de todas as outras Famílias que ora não gozam da nobreza civil ou vivem com decência”.

O retrato do Conde da Barca é reduzido, muito está escrito acerca deste homem do Estado que foi reconhecido pela sua inteligência de escola. Era minhoto de perto de Ponte de Lima, estudou em colégio no Porto, passou pela Universidade de Coimbra, voltou ao Porto para estudar História e Matemática, era autodidata em Ciências Naturais, paixão que define as suas amizades e preocupações. Estabeleceu em Lisboa contactos com a Academia das Ciências, foi iniciado na Maçonaria, faz amizade com o Duque de Lafões, vai subindo na escala social, torna-se diplomata e é enviado para os Países Baixos, o seu secretário é o cavaleiro Brito, deixam Lisboa em 1789, chegam a Londres e contactam a comunidade científica, a Royal Society. Este livro de História vai-se tornando empolgante, Araújo e Brito assistem aos momentos iniciais da Revolução Francesa, em Haia a situação também não é tranquila. Mais tarde, Brito vem para Lisboa, é oficial da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, Araújo percorre a Alemanha, troca correspondência com Klopstock e Goethe, vai partir para o norte da Europa, chegará a Petersburgo. Brito terá os seus sucessos diplomáticos em Paris e Araújo chegará a Lisboa pouco antes do General Junot invadir Portugal, Brito acompanha o Príncipe Regente e a família real. Vai frutificar a correspondência entre os dois amigos, assim se organizará a caravana de artistas e artesãos franceses. Nos entretantos, a historiadora revela o afã de ambos a constituir bibliotecas, a frequentar as comunidades científicas mais relevantes. Quando Brito falecer, serão reveladas as suas dificuldades financeiras, a sua carruagem já estava retida por falta de pagamento. A sua riqueza era outra, como escreve a autora: “A sua biblioteca era excecional. Além de cobranças de diversos livreiros para comprovar que, mesmo sem dinheiro, continuava a comprar, possuía mais de 1.300 livros, diversos datados dos séculos XVI e XVII, e edições raras como o Lusíadas do Morgado de Mateus. Tudo a ser dispersado em leilão no ano seguinte, para pagar o que devia. Fora esse o homem que, dez anos antes, se entusiasmara pela perspetiva de enviar para o Brasil o grupo de artistas e artesãos e escrevera insistentemente à corte do Rio pedindo instruções que nunca lhe enviaram”.

Uma incursão historiográfica aparentemente de pouca importância e que nos traça o cenário de uma corte antiga no mundo novo e a vibração de dois diplomatas que selaram uma amizade excecional. Foram duas figuras incomuns daquela que terá sido a última geração transatlântica portuguesa.

Leitura a não perder.

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