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«Emilia Pardo Bazán», por Rita Homem de Mello
19-01-2021

Quinze contos ferinos e o retrato de uma Espanha carlista indomavelmente máscula e cruel para com as mulheres. As histórias passam-se, na maioria das vezes, mesmo aqui ao lado, na “primitiva e bela” Galiza, e todas vão desaguar no mais calejado esgoto feminino.

 

Emilia Pardo Bazán (1851-1921), ilustre condessa nascida na Corunha, destacou-se por ter sido a primeira mulher a presidir à secção de literatura do Ateneu de Madrid, ter-se consagrado conselheira de instrução pública e ter sido a primeira professora catedrática de Literatura Contemporânea de Línguas Neolatinas da Universidade Central de Madrid.

Contos Bravios, editado pela Sistema Solar em outubro último, tem tradução e apresentação de Aníbal Fernandes. Com o rigor que o caracteriza, Aníbal Fernandes oferece-nos no seu prefácio a única edição disponível no mercado em língua portuguesa desta escritora, que só foi traduzida para o nosso idioma na década de 90, pela Teorema, com Os Paços de Ulloa. Além de nos fornecer referências fulcrais que nos ajudam a situar a sua irreverência e controvérsia, quer no que diz respeito aos seus dados biográficos, quer no que concerne a influências artísticas diretas, como será o caso de Guy de Monpassant, Émile Zola, Galdós ou José María de Pereda, o tradutor elucida-nos sobre a arte com que Bazán sabia “prender o leitor a uma história”. É que saber prender implica o sentido de saber poupar o leitor, e isso é precisamente o que acontece na sua arena literária. São textos acelerados, trepidantes, alvoroçados. Ainda no seu clarividente prefácio, lemos: “Ela queixava-se: se em vez de Emilia eu escrevesse Emilio, nada desta tempestade se ouviria. Era um lamento que se ajustava à sua bem visível afirmação feminista. Um país que queira prosperar e ser dono do seu destino não pode relegar as mulheres para as funções domésticas, escreveu num ensaio; e ainda: sai bastante barato dar a morte a uma mulher”. Ora, isto diz praticamente tudo acerca deste vulto feminino pronto a rachar fendas numa sociedade vedada à mulher. E talvez Bazán, por isso mesmo, se tenha munido deste mote de que “sai barato dar a morte a uma mulher” para escrever todos os contos reunidos neste livro e em muitos outros. Talvez seja pertinente atentar que é, na verdade, apenas num conto que esse mote se aplica. É “Na Aldeia”, nesse último conto, que vemos a morte ser reservada sem rodeios a uma mulher. Talvez por isso seja este o conto mais violento e desolador do livro. Libória, uma rapariga educada por monjas, quando cresce vê-se forçada a trabalhar fora da sua aldeia e, por se apresentar com modos diferentes dos das outras raparigas, é vista sempre como uma forasteira. Por essa única razão será brutalmente agredida até à morte por homem boçal cujas palavras, ao vê-la morta, são carregadas de um imenso desprezo, um desprezo que lhe saiu barato (156): “O quê! Um homem já não pode exceder-se numa brincadeira? Ela própria pôs-se a jeito. Pois que se enfade e se arranhe. É para aprender a não vir para aqui com novas modas”.

[…]

Rita Homem de Mello, in jornal i, 23 de Dezembro de 2020.

Texto completo: https://ionline.sapo.pt/artigo/718994/emilia-pardo-bazan?seccao=Mais_i

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