Neste despretensioso livrinho em que recordo os tempos longínquos do meu serviço militar, devo, em primeiro lugar, um profundo agradecimento aos Capitães de Abril que, com a sua acção, abriram as portas da democracia a um País tacanho e anacrónico, tornando possível o fim da guerra colonial.
Tancos, 25.4.74
Minha querida:
Escrevo de Tancos numa altura bastante confusa pois as coisas, como deves saber, nesta altura estão claramente a evoluir para um caminho algo diferente do que até agora se verificava. Para melhor ou para pior, só o tempo o dirá, mas que haverá (?) mudanças parece não haver dúvidas.
Claro que nestas condições a minha ida em fim-de-semana está claramente comprometida e julgo mesmo que o passarei aqui fechado para grande raiva minha. Mas será legítimo o meu protesto quando tantas coisas parecem estar em jogo, quando (quem sabe?) se está a viver um momento muitíssimo importante, mesmo decisivo da vida portuguesa?
Como deves depreender, a situação é pelo menos para já muito delicada de forma que é de toda a conveniência evitar as deslocações dentro da Póvoa e claro que nem se fala de possíveis viagens ao Porto. Deves a não ser que não possas permanecer em casa pois não sabemos o que o tempo trará.
Quanto a mim, não deves preocupar-te pois estou apenas à espera que haja ordem de saída se a situação se normalizar. Para já, há prevenção rigorosíssima que não se pode de forma alguma ultrapassar. Não posso sequer telefonar-te para te tranquilizar pois os telefones estão cortados e é muito difícil tentar telefonar pois parece que só do gabinete de um tenente-coronel se podem fazer chamadas.
Pedia-te que avisasses como pudesses os meus pais pois eu não tenho possibilidades de o fazer e eles estão com certeza preocupados com a minha vinda de Lisboa para Tancos em altura tão crítica. Por outro lado, também eu estou preocupado com eles pois em Lisboa a situação parece ser de molde a criar preocupação.
[João Appleton]