Paul B. Preciado: «Estes ensaios de Suely Rolnik chegam-nos em plena névoa tóxica que os nossos modos coletivos de vida produzem sobre o planeta. Vivemos um momento contrarrevolucionário.»
Estes textos são como um oráculo que nos fala do nosso próprio futuro mutilado. Vêm recordar que o que estamos a viver não é um processo natural, mas uma fase a mais de uma guerra que não cessou: a mesma guerra que levou à capitalização das áreas de preservação de terras indígenas, ao confinamento e ao extermínio de todos os corpos cujos modos de conhecimento ou afeção desafiavam a ordem disciplinar, à destruição dos saberes populares em benefício da capitalização científica, à caça às bruxas, à captura de corpos humanos para serem convertidos em máquinas vivas da plantação colonial; a mesma guerra na qual lutaram os revolucionários do Haiti, as cidadãs da França, os proletários da Comuna, aquela guerra que fez surgir a praia sob os paralelepípedos das ruas de Paris em 1968, a guerra dos soropositivos, das profissionais do sexo e das trans no final do século XX, a guerra do exílio e da migração…
Suely Rolnik reuniu aqui três textos elaborados durante os últimos anos que poderiam funcionar como um guia de resistência micropolítica em tempos de contrarrevolução. Tive a sorte de escutar e ler muitas versões destes textos, como quem assiste à germinação de um ser vivo. O pensamento de Suely, como a sua própria prática analítica, tem a qualidade de estar sempre em movimento. O que os leitores têm agora nas suas mãos é uma fotografia da tarefa crítica de Suely tirada num momento preciso. Trata-se de um trabalho aberto, de um arquivo em beta, em constante modificação. O livro, extremamente rico e cuja leitura levará a múltiplas intervenções críticas e clínicas, poderia ser lido tanto como um diagnóstico micropolítico da atual mutação neoconservadora e nacionalista do regime financeiro neoliberal quanto como uma hipótese acerca da derrota da esquerda, no contexto não só latino-americano, mas também global. Mas esse réquiem por uma esquerda macropolítica é acompanhado em Suely pelo desenho de uma nova esquerda radical: Esferas da Insurreição é uma cartografia das práticas micropolíticas de desestabilização das formas dominantes de subjetivação, um diagrama da esquerda por vir.
[Paul B. Preciado]