Quando o médico José Fontes fez a sua colecção de fotografias da vida quotidiana do Hospital Miguel Bombarda no final da década de sessenta, a corrente institucionalizadora dos doentes mentais continuava a prevalecer e, em alguns países, ainda se registaram nessa época picos históricos de internamento. Embora as correntes antipsiquiátricas fortemente críticas da institucionalização começassem a fazer-se ouvir e o recurso aos psicofármacos se começasse a generalizar, potenciando uma antiga tendência despsiquiatrizadora que hoje se sabe ter sempre acompanhado afinal a própria teoria e prática psiquiátrica, não era então nada certo que as já perceptíveis mudanças nas concepções de prestação de cuidados de saúde mental fossem de molde a levar à completa obsolescência, e consequente desaparecimento, do hospital-asilo de que o Miguel Bombarda constituía ao mesmo tempo um símbolo e uma eminente realização material. Significa isto que as imagens fotográficas de José Fontes ignoram, porque não lhes seria dado saber no momento de serem feitas, tanto o destino iminente daquilo que registavam, como o seu próprio valor enquanto documento que o passar do tempo multiplicaria de forma exponencial, até se tornarem no património absolutamente precioso que doravante são. [António Fernando Cascais]