Voltaire transformou (...) o artigo de dicionário num género literário.
«Pessoas de todos os estados e condições encontrarão com que se instruir e, ao mesmo tempo, divertir. Este livro não exige uma leitura seguida, mas seja qual for a página em que se abrir, encontrar-se-á sempre matéria de reflexão. Os livros mais úteis são aqueles em que os leitores são os autores de uma das metades. Desenvolvem os pensamentos cujos germes lhes foram apresentados, corrigem o que lhes parecer defeituoso e, com as suas reflexões, dão solidez ao que se lhes afigura frágil.»
[Voltaire]
Estava-se em pleno século XVIII, o século do Iluminismo, e o Iluminismo foi a idade de ouro dos dicionários. […] Existindo tão vasta publicação de obras orientadas para a divulgação dos conhecimentos acumulados pelo homem, poderá perguntar-se o que teria levado Voltaire [Paris, 1694 – Paris, 1778] a acrescentar mais um título ao rol dos dicionários. Não foi certamente por ter sucumbido ao fascínio de uma moda, mas talvez tenha cedido à tentação de esclarecer, de iluminar definições e conceitos com as ideias resultantes do seu julgamento pessoal, da sua razão. Por outro lado, Voltaire reconhecia que uma enciclopédia em dúzias de volumes não era cómoda, nem prática, nem manejável; em suma, não era eficaz. […] E é assim que aparece em Genève, em Junho de 1764, a primeira edição deste livro de bolso, logo seguida de uma outra ainda seis meses não eram decorridos. […] Duas edições em seis meses é, na verdade, um sucesso. E o sucesso deve-se não só ao tamanho portátil da obra, mas ainda e sobretudo ao facto de Voltaire não se limitar a definições de ordem científica. Pelo contrário, evita-as ou critica-as e usa a sua razão para emitir julgamentos pessoais, quase sempre espirituosos e não poucas vezes provocatórios. […] Por isso, não é este um dicionário de consulta para aclarar uma ou outra dúvida. É um livro que se pode ler começando pela primeira página ou escolhendo qualquer artigo, para se ficar a saber o que o Patriarca de Ferney, como ficou conhecido no burgo, pensava sobre a guerra, a tolerância, a amizade, Job ou Abraão. Voltaire transformou, como ainda diz René Pomeau, o artigo de dicionário num género literário.
[José Domingos Morais]