Jean Cocteau: «No fim de contas tudo tem solução, salvo a dificuldade de ser,
que não tem solução nenhuma.»
É preciso, repito-o, compreender que a arte não existe enquanto arte, enquanto coisa separada, livre, desembaraçada do criador, e só existe se prolongar um grito, um riso ou um lamento. É o que leva certas telas de museus a fazerem-me sinais e viverem com angústia, enquanto outras estão mortas e só mostram os cadáveres embalsamados do Egipto.
[Jean Cocteau]
Em 1947 A Dificuldade de Ser tinha surgido como seu auto-retrato íntimo, espalhado por trinta e um textos de títulos à moralista clássico e a lembrarem-se de uma frase de Fontenelle no leito de morte: «Sinto uma dificuldade de ser.»
André Fraigneau (num dia de diálogos): Por que escreveu A Dificuldade de Ser?
Cocteau: O impudor é o meu heroísmo; lavo a roupa suja em público. Além disso, eu podia trabalhar ali o estilo que me agrada: Montaigne, Stendhal, o Código de Napoleão, o Hugo das Choses vues e Balzac que escreve muito bem, desculpe que lho diga.
André Fraigneau: Para si, Balzac escreve bem?
Cocteau: Ah, sim! Ele diz o que quer dizer. O estilo é isso. O mau estilo é Flaubert, o das pessoas que fazem poses. Devemos procurar ser exactos como os algarismos e, custe o que custar, dizer o que queremos dizer; acertar no alvo sem as poses do atirador presunçoso. Flaubert é o atirador presunçoso.
Há no seu túmulo este aviso: Continuo convosco. E quarenta e oito anos antes tinha escrito no poema «Discurso do Grande Sono»:
Uso uma tinta que é o sangue azul de um cisne,
E sempre que é preciso ele morre para estar mais vivo.
[Aníbal Fernandes]