Como em nenhuma outra obra sua, a obsessão do monstro onde o próprio Jean Lorrain se reconhecia.
Entre as muitas memórias da sua convivência com Jean Lorrain, Rachilde escolheu uma que o mostra como «fanfarrão de vícios» embaraçado e à mercê da benevolência policial. Dois escritores franceses com destaque nessa época (ambos homossexuais — Marcel Proust e Jean Lorrain) disputavam murmúrios, eram personagens preferidas numa nebulosa de curiosidades que entretinha o mundo das letras. De Marcel Proust sussurravam-se coisas doentias que chegavam a uma insólita crueldade com ratos, excitante sexual muito pouco previsível numa tão correcta imagem de homem que beijava com elegância mãos de condessas e marquesas; e de Jean Lorrain, muito claro nas suas tendências sexuais e a expor-se com a maior das franquezas aos submundos da grande cidade, evitava-se em público o trato familiar, com a certeza de que ele contaminava reputações.
A sua obra literária é generosa em ambiguidades decadentes como as de Monsieur de Phocas, e tem escândalos que interessaram a Justiça, como o que envolveu La Maison Philibert. Num tom mais prudente e desviado até ao fantástico sem nada de gótico, também lhe encontramos contos com uma imaginação que preza a impunidade das máscaras e desvarios que lhe chegaram ao papel entontecidos por fortes cheiros do éter.
Mas neste conjunto merece especial destaque o conto A Mandrágora, que em Maio de 1899 surgiu enfatizado numa edição de luxo ilustrada por Marcel Pille e reflectiu, como nenhuma outra obra sua, a obsessão do monstro onde ele próprio se reconhecia. Tem uma primeira frase de choque: Quando ficou a saber-se que a rainha tinha dado à luz uma rã, houve consternação na corte.
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A rainha deste conto, perturbada pela memória impura da sua filha-rã morta por determinação do rei, tem alucinações que a levam para junto das forcas, acompanhada por um galgo preto. E embora um dia lhe tenha chegado a cair na face uma «lágrima de cera muito mal-cheirosa», nunca encontrou a mandrágora que ela julgava poder transformar, com os seus conhecimentos de magia, na filha perdida — monstruosa mas sua filha, dizia-lhe um muito magoado amor de mãe.
[Aníbal Fernandes]