«Um mundo de sinais sagrados, de poesia e teatro em estado puro.»
Artaud escreveu textos sobre o México que nunca chegaram a formar o livro que ele pensava intitular Viagem ao País dos Tarahumaras; que já têm sido associados com vários critérios, quanto à sua organização, e vão ser aqui reunidos por ordem cronológica. A sua idoneidade como resultado de uma experiência realmente vivida tem preocupado conscienciosos e desconfiados antropólogos. Sem outra confirmação que não seja a das suas próprias palavras, sentiram-se no direito de perguntar: Ele foi realmente iniciado no ritual do Peiotl? Chegou a estar pessoalmente em lugares considerados de muito difícil acesso, que têm desanimado outros curiosos? Terá assistido às danças dos índios tarahumaras? Ou ter-se-á apenas baseado em textos já existentes sobre a realidade que ele afirma ter presenciado? Quatro anos antes, «Galapagos, les îles du bout du monde» e «L’amour à Changaï» tinham aparecido como reportagens suas na revista Voilà, sabendo-se que Artaud nunca tinha estado em nenhum desses lugares. Mas J.M.G. Le Clézio afirma no seu Le rêve mexicain que não tem sentido levantar-se em Artaud a questão antropológica: «Seria absurdo e inútil conduzir ao nada este encantamento, este apelo de um relato de viagem procurando nele a autenticidade.» Évelyne Grossman, essa, pensa que «Artaud atravessou a Sierra como se atravessasse a morte»; que percorreu «um mundo de sinais sagrados, de poesia e teatro em estado puro.» E o próprio Artaud escreve que fez no México uma «descida para voltar a sair no dia.»
Há no entanto algumas certezas. A do seu irresistível desejo de aventura: «É para mim uma verdadeira aventura e com isso a agradar-me, aliás, dentro dela, uma vez que parto com grande escassez de fundos. Terei a todo o custo de contar com o que irei encontrar lá para viver. E o destino, ao que parece, não poderá deixar de falar.» […] Que no dia 1 de Agosto pediu um prolongamento da sua permanência no México. Que no fim de Agosto partiu em direcção à Sierra Tarahumara, depois de conseguir uma pequena quantia dada pelas Belas Artes do México. Que passou todo o mês de Setembro na região dos Tarahumaras. Que em 7 de Outubro regressou à Cidade do México. Que El Nacional publicou traduções de «A Montanha dos Sinais» e «O País dos Reis Magos». Que em 31 de Outubro embarcou em Vera Cruz no navio Mexique e em 12 de Novembro desembarcava em Saint-Nazaire, em solo francês.
[Aníbal Fernandes]