Anaïs Nin: «A minha primeira visão da terra foi uma água sem transparência. Sou da raça de homens e mulheres que vêem todas as coisas através desta cortina de mar, e os meus olhos são cor de água.»
O seu nome. Naquele registo de Neuilly-sur-Seine e numa página de Fevereiro de 1903 consta que o seu pai, um pianista cubano, e a sua mãe vagamente cantora com uma complicada ascendência de dinamarqueses, cubanos e franceses, lhe deram um nome de linha inteira; e vemo-nos incitados a percorrer num esforço de nove palavras, não menos, as que lhe chamam Angela Anaïs Juana Antolina Rosa Edelmira Nin y Culmell. Tudo o que veio a parecer-lhe — mesmo num tempo de alargados nomes que eram aviso de bons nascimentos — excessivo; e que aos vinte e nove anos de idade, quando teve de designar-se como escritora, fê-la chegar na sua folgada sucessão de títulos à simplificação que a resumia num Anaïs Nin agradável na música e que também soaria, num mais atento mundo de leitores, como Ana is (é) NIN, «a Ana é NIN», ou seja, marcada pelo I «eu» entalado entre idênticos e inter-negativos opostos — entendam-se aqui o sexo, os desejos e a vida.
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Aos trinta e três anos de idade, Anaïs ainda não era autora publicada de nenhum dos seus romances; o seu nome nas letras podia apenas reivindicar a autoria de um ensaio sobre Lawrence e de um poema em prosa, Casa de Incesto, que parecia dever tudo aos franceses do surrealismo. Diz-nos o seu Diário: umas trinta páginas de prosa poética, escrita de uma forma totalmente imaginativa, uma explosão lírica.
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Stuart Gilbert, o erudito inglês, o «imbatível» tradutor da prosa de Cocteau para a sua língua, foi entre todos o mais expressivo e o que mais alegria deu a Anaïs Nin: «É evidente que o autor de Casa de Incesto teria, numa época mais recuada, terminado a sua carreira na fogueira — na boa companhia, seria inútil dizê-lo, de Joana d’Arc. Porque há qualquer coisa de inquietante na sua clarividência. É como se ela tivesse bebido uma poção ou descoberto um sortilégio que lhe desse acesso a esse mundo subterrâneo que à entrada tem escrito este aviso: “Vós, que aqui entrais, abandonai toda a consciência!” É preciso coragem para alguém se lançar nesta busca, e além de coragem, perspicácia e um delicado sentido de equilíbrio e o abandono de si. Todas estas qualidades, e com elas uma habilidade pouco comum a manejar as palavras e os ritmos, são evidentes na obra de Anaïs Nin.»
[Aníbal Fernandes]