Hoje, como há cem anos, o relógio de água marca a hora certa.
Foi nosso desejo não faltar a esse chamamento.
O livro que agora se publica assinala cem anos de existência de uma das mais fulgurantes obras da poesia portuguesa – Clepsydra, de Camilo Pessanha. A receptividade e vitalidade que lhe reconhecemos foram secundadas não só pelo diálogo crítico e pelas sucessivas propostas de edição de que foi objecto, mas também por trabalhos criativos, de reescrita ou de homenagem, que de igual modo a continuaram e a colocaram em movimento.
Esta celebração, inicialmente projectada como um evento público que promoveria o debate crítico por parte de especialistas e leitores, precisou de se adequar às contingências do presente, que fazem de 2020 um ano pouco dado a festejos e a louvores. Nessa medida, pensou-se em compilar algumas das reflexões que viriam a ser apresentadas nessa ocasião, garantindo assim a sua subsistência sob a forma de um livro – objecto em relação ao qual temos sempre a ganhar em matéria de proximidade física. Encontra-se aqui reunido um conjunto de ensaios, previamente comentados e cuidadosamente revistos, com o propósito de dar expressão ao trabalho de questionamento e de pesquisa que Clepsydra e o seu autor continuam a estimular. Apesar de, em todos eles, a leitura ter por objecto esse texto centralizador, agora com cem anos de existência, alguns destes estudos procuram também ir ao encontro de aspectos cruciais do trabalho comparatista do nosso tempo, abrindo espaço a reflexões sobre os contactos culturais e a dimensão estrangeira que perpassam a escrita de Pessanha, sem esquecer ainda as migrações discursivas e a intertextualidade, fenómenos relativamente aos quais podemos colher hoje admiráveis exemplos. Procurou-se, em suma, que os ensaios não se cingissem apenas à análise estrita dos poemas – o espólio do autor, a recepção e a posteridade literária da sua obra, as figurações do Oriente, são alguns dos temas chamados à reflexão no presente volume.
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Hoje, como há cem anos, o relógio de água marca a hora certa. Foi nosso desejo não faltar a esse chamamento.
[Catarina Nunes de Almeida]