— Olha, se eu dava a minha filha a esse Herodes!
Credo! Que vá casar com o diabo que o leve,
Deus me perdoe!
«Teresa amava-o ardentemente. Aquele rapaz era, com efeito, o que devera ter sido o artista de Guimarães para que as duas almas se identificassem. António Maria era arrojado nas aspirações e invejava a morte duns heróis revolucionários, cuja história contava à viúva entusiasta.
Dramatizava coisas insignificantes com atitudes trágicas. Declamava com o timbre metálico de pulmões que se ensaiavam para o fôlego comprido das pugnas parlamentares. Sabia o gesto e a palavra atroadora de Desmoulins e Mirabeau. Era um homem antípoda do defunto Guilherme. Não tinha cismas, arroubos, nem enlevos pelo azul dos céus além. O seu amor manifestava-se em convulsões assustadoras, e às vezes ajoelhava-se aos pés de Teresa com a humildade de uma criança, e não ousava beijar-lhe a barra do vestido. Se lhe apertava, porém, a mão, os seus dedos fincavam-se como garra do açor, e o sangue latejava-lhe nas falanges. Dizia que tinha vontade de afogá-la nas suas lágrimas, e morrer. Chamava-lhe a sua redentora, porque já não pensava em estrangular os tiranos da pátria, desde que todo o seu futuro estava no amor ou no des prezo da única dominadora do seu orgulho. Se Teresa um dia lhe desse o seu destino, queria ir com ela para a América inglesa, para o coração do mundo onde pulsa a liberdade humana. Se lá a não encontrassem, iriam procurá-la no deserto; à sombra de uma palmeira fariam uma cabana, e no seio de um areal cavariam a sepultura de ambos. Este homem tinha lido as melhores asneiras de 1829: a Adriana de Brianville e Amélia ou os efeitos da sensibilidade; e conhecia Atalá, traduzido em 1820, e as Aventuras do último abencerragem, em 1828. Possuía literatura bastante para levar a peçonha dos romances ao serralho de Mahmoud II.»
[Camilo Castelo Branco]