Blaise Cendrars parece ter razão, Guillaume Apollinaire por aí anda. Foi 1918 o ano da sua morte física — cem anos antes, o planeta Vénus eclipsava Marte num raríssimo fenómeno astral. Estariam a preparar-se tempos de intensos amores? Talvez, porque Lord Byron, todo ele romantismo, todo ele fúria de sentimentos, molhava na tinta a sua pena para arranhar no papel as primeiras ottavas rimas do extenso e inacabado poema Don Juan. E assim foi; e assim continuará a ser.
Na sua produção literária são vários os casos em que esse deleite encontrado nas estéticas e nos valores passados sobressai com maiores evidências. Queira lembrar-se da sua colaboração com a editora Bibliothèque des Curieux, que juntamente com Raoul Véze soube fazer chegar às mãos dos leitores daqueles dias páginas um tanto esquecidas e cheias de liberdades e libertinagens literárias. Editou-se, por exemplo, o Conde de Mirabeau; editou-se Divino Pietro Aretino; editou-se o Andrea de Nerciat; editou-se Marquês de Sade. Refinado trabalho arqueológico, dir-se-á com grande justeza. No entanto, no meio desse «bricabraque literário e estético», dessa «nostalgia de paisagens desaparecidas», e a manter o aroma desses antigos e bem enrolhados perfumes, Guillaume Apollinaire também surgiu como autor no meio desses casos, nessa mesma colecção de literatura de olvido. O poeta entregava-se à farra literária, e trazia consigo peculiares inovações, num museu de sensualidades.
Ora, o primeiro caso foi o de Le Rome des Borgia em 1913, na verdade um livro que pingou mais da pena de René Dalize do que da pena de Apollinaire. No ano seguinte aparecia nessas páginas amareladas La Fin de Babylone. E a singrar essas águas surge em 1915 Les Trois Don Juan, que tem na capa um pormenor d’A Maja Nua de Goya. E é precisamente desse livro que deriva este Don Juan da Inglaterra ou o Sonho de Lord Byron.
[Diogo Ferreira]