O pugilismo a olhar do alto para os outros romances com o mesmo tema. Battling Malone — o jovem, o selvagem, o ingénuo — a identidade conflituosa que Louis Hémon espalhou — espalhando-se a si próprio — por todos os seus romances.
Com uma qualidade que surpreendeu, Battling Malone, pugilista escolhia o tema do boxe fazendo-o subir bastante acima do tom que costumava condená-lo a formas literárias que entretinham, em jornais e revistas, leitores pouco exigentes; escolhia o tema do boxe e dos seus jogadores num ambiente inglês tutelado pela aristocracia e por homens de dinheiro, muito povoado por gentlemen. Houve para isto uma decisiva vontade de escritor, expressa num artigo seu de 1905 com o título «Anglomanie»: «Desde há uns nove a doze anos, vemos aparecer periodicamente nas revistas [inglesas] uma mesma história sempre popular. Há nela a rapariga, o herói e o francês. A rapariga é encantadora, o francês atiradiço e o herói um indignado. Ele atira-se ao francês — que as gravuras, como é natural, representam como um homem pequeno, franzino e amaneirado — e administra-lhe uma fenomenal bordoada que deixa todos contentes. Por vezes os dados variam, mas o desfecho é sempre o mesmo. E todas as vezes que eu encontro sob uma nova forma este quadro britânico, fico obcecado pelo desejo de escrever a contrapartida desta mesma história.»
Vários indícios, que encontramos em cartas e artigos de Hémon, fazem crer que ele criou «o desvio da norma» a que chamou Battling Malone em 1909, levando a cabo a sua projectada subversão da história do jogador de boxe inglês e da rapariga que oscila entre o prestígio físico e desportivo do seu compatriota e a menoridade pouco viril de um belo francês.
«Louis Hémon proíbe a si próprio o uso da primeira pessoa do singular», disse Jacques Ferron quando prefaciou Colin-Maillard, «embora nos faça estar sempre na presença de um herói da sua idade, vindo não se sabe de onde, que parece não ter família e nunca, em qualquer caso, se volta para trás quando luta com as necessidades da vida, e nunca lhes tenta escapar de outro modo que não seja pelo sono e pelo amor.»
Battling Malone — o jovem, o selvagem, o ingénuo — personagem que executa uma das variações sobre a identidade conflituosa que Hémon obsessivamente espalhou — espalhando-se a si próprio — por todos os seus romances.
[Aníbal Fernandes]