Irmã mais frívola de Naná, de Manon, de Albertine a Desaparecida. Nos excessos brilhantes de 1900, uma estranha e paradoxal batalha de açúcar salgado.
[…] Mon amie Nane apareceu em 1905.
Com Nane, P.-J. Toulet era um fauno a contar uma história de demi-mondaine belle époque, irmã mais frívola de Naná, de Manon, de Albertine a Desaparecida. Não construía à sua custa uma trama rica em peripécias, e preferia mostrá-la num compêndio de situações diferentes que acrescentavam, novos a novos traços, o pormenor do seu retrato. Era, nos excessos brilhantes de 1900, uma estranha e paradoxal batalha de açúcar salgado. Mas oiçamos Fredéric Martinez, um dos seus biógrafos: «Está escrito numa prosa saturada de adjectivos, que nos faz lembrar um apartamento de cocotte atravancado por relógios e caixas, estatuetas e esmaltes; entramos lá em ponta de pés, com os braços bem pendurados ao longo do corpo, com medo de partir qualquer coisa. Também nos falta o ar. O capitoso perfume dos advérbios e dos boleios de frase preciosos fazem alguma dor de cabeça; a coisa é bonita de mais para ser honesta. Quer-se mal a Toulet por ele ser desagradável. Deploramos-lhe a misoginia galopante, o assumido anti-semitismo. Gostar-se-ia que o grande estilista fosse um grande homem. Toulet desagrada, e é isto o que nos diverte.»
Todas estas frases de Martinez procuram definir o incómodo de um objecto insólito; um estranho corpo que surgia a contrapelo do que era previsível na onda do romance oferecido aos leitores dos primeiros anos do século XX. Toulet não levava a sério as regras que o romance tinha estabelecido pela mão de grandes escritores. Era indiferente à continuidade lógica da narrativa, dava a escolher alternativas para a mesma situação, recusava-se ao final de acordes bem marcados, e achava que num sorriso de mulher pode adivinhar-se todo o segredo do seu corpo. Nane define-se nas entrelinhas do que nos é dito por este sorriso e parece muitas vezes menos importante; oferece-se e furta-se ao sabor daquele que a julga impiedosamente com uma «sensibilidade magoada», para utilizar uma expressão de Claude Debussy. Estes momentos de amor cru vistos por um olhar não isento de snobismo, embrulhados numa prosa de bom ouvido e amor às palavras, destinou-se a perdurar sob desconfiados olhares de esguelha que não souberam evitar-lhe um garantido lugar de «clássico marginal».
[Aníbal Fernandes]