Aqui está o meu livro como o fiz e deve ser lido antes de os comentadores o escurecerem com os seus esclarecimentos.
André Breton chamou-lhe – quando quis enunciar no seu Primeiro Manifesto os precursores do movimento – «surrealista no passado». […]
Baudelaire lembrou-se dele quando publicou Le Spleen de Paris e escreveu na dedicatória a Arsêne Houssaye: «Tenho uma pequena confissão a fazer-lhe. Ao folhear pela vigésima vez, pelo menos, o famoso Gaspar de la Nuit de Aloysius Bertrand […] é que tive a ideia de tentar qualquer coisa análoga e de aplicar à descrição da vida moderna, ou antes, a uma vida moderna e mais abstracta, o processo que ele aplicou à pintura da vida antiga e estranhamente grotesca.» […]
Todo o reconhecimento de Aloysius Bertrand é póstumo. E hoje pode ser-lhe colada a etiqueta de «autor de culto», que levanta sempre a suspeita de venerações alheias à verdadeira consciência crítica. Transbordou da literatura. René Magritte lembrou-se dele para um quadro que se inspira em «O Pedreiro», o segundo texto de Gaspar da Noite; e em 1908 Maurice Ravel deu a conhecer em três momentos de piano «Ondine», «Scarbô» e «A Forca» (este pertencente à série dos eliminados pelo autor na edição original). Para se compreender todo este sortilégio vale a pena ouvir de novo André Breton: — «Ele precipita-nos, desde o presente, num passado onde as nossas certezas não tardam a cair em ruínas.» [Aníbal Fernandes]