«Pintar e viver nunca foram, para mim, senão uma e a mesma coisa.»
«Quanto a Madame [Luísa] Todi, aliava a uma voz magnífica todas as qualidades de uma grande cantora, e cantava com a mesma perfeição tanto o cómico como o trágico.» [p. 94]
«[…] também fiz o retrato, meio corpo, do próprio Lord Bristol, e o de Madame Silva, a jovem portuguesa que depois fui reencontrar em Nápoles e de quem falarei mais tarde.» [pp. 172-173]
«Fui ter com Madame Silva, a minha amável portuguesa, para percorrer com ela uma parte da ilha que é encantadora» [p. 210]
Figura controversa na sua época, Jean-Jacques Rousseau é o autor escolhido por Élisabeth Vigée Le Brun [Paris, 1755-1842] para dar voz à epígrafe das suas Memórias. A escolha, não sendo inocente, revela-se mesmo inevitável. Mais do que as memórias da pintora oficial da rainha Maria Antonieta, ou do seu exílio de doze anos, as páginas de Vigée Le Brun reflectem um ponto de vista idêntico ao que encontramos nos textos de Rousseau, sobretudo nas Confessions ou Rêveries: o da sensibilidade que vive no olhar, o da subtileza e cadência da poesia, o da verdade de um ritmo musical ou dos múltiplos matizes da cor, o da convicção que se forma na audácia de quem se confessa sugestionável ou na intimidade visionária de quem cria. É sob esta luz que se desdobram os acontecimentos relatados pela autora.
[…]
Memórias ou autobiografia, estamos perante um texto que se divide em dois grandes momentos (dos quais o primeiro se publica agora em tradução). Esta primeira parte, ou volume, consta das doze cartas à princesa Kurakin (relato da vida da autora, incluindo uma viagem à Flandres, as sessões de pintura com a rainha Maria Antonieta, os anos que antecederam a Revolução, até 1789, e a sua saída de Paris) e dos dez capítulos (correspondentes a cerca de dois anos e meio, entre 1789 e 1792) que relatam a fuga e o percurso através dos Alpes e a sua estada em Itália, até à partida para a Áustria, continuando o exílio que durou cerca de doze anos.
[Maria Etelvina Santos]