Nos ensaios deste livro [a] relação entre a espectralidade da representação e a inscrição do fantasma é constante — na assombração da autoria e da assinatura, na espectralização dos objectos no jogo da poesia ou da imagem, na convocação dos mortos ou na encenação do seu regresso.
Numa cena de L’Histoire d’Adèle H. (A História de Adèle H., 1975), de François Truffaut, a protagonista — que viajou para Halifax atrás de um amor impossível e vagueia pela cidade sem nunca se identificar como a filha do «maior escritor francês vivo» — escreve por fim o nome do pai num espelho coberto de poeira, para logo o apagar. Este é um momento extremo no percurso de Adèle, obrigada a denunciar o que tanto tentou esconder. É, também, um exemplo particularmente interessante para descrever o propósito deste livro. Truffaut representa-o num plano aproximado do espelho, com o perfil baço de Adèle a aparecer por detrás da poeira e com a sua mão, vestida com uma luva preta, a traçar as letras na superfície do espelho para depois apagá-las. As letras cobrem o vulto de Adèle. O gesto brusco da mão, riscando e rasurando o que antes traçara, parece também apagar esse perfil, que se destaca no final sobre a mancha negra do espelho como um perfil espectral.
Se é certo — como o título sugere — que este livro falará de diferentes figurações do fantasma, este exemplo ilustra o modo como o fará. A espectralidade da cena do filme de Truffaut começa por insinuar-se na complexa relação que estabelece com o meio de representação: a câmara a filmar o espelho, a imagem reflectida a oscilar numa série de aparições e desaparições, a dinâmica fantasmagórica de algo que se revela encobrindo outra imagem e arrastando-a consigo ao voltar a desaparecer.
[…]
É este vínculo entre representação, imagem e escrita que o livro procura ao considerar a presença do fantasma na literatura e nas artes. Como o exemplo que aqui convocámos parece mostrar, a escrita e a imagem implicam sempre, de algum modo, o fantasma; e as histórias de fantasmas que a literatura, a fotografia ou o cinema contam são muitas vezes formas de figurar essa relação.
[Clara Rowland e José Bértolo]