— Estamos tramados,
Queimámos uma Santa!
Se Les Cinq Sens, de 1924, ainda conseguiu o favor de um relativo entusiasmo, o Joana d’Arc de 1925 (que biografava com excessivos lados profanos uma santa recente, só quatro anos antes canonizada, desde logo distinguido por altas vozes femininas do Prémio Femina) excitou com muito cruéis adjectivos os surrealistas, acompanhados nas suas diatribes pelos que funcionavam intelectualmente num plano oposto, cheio de moral e religiosidade, os que viam nesta Joana literária uma vontade de fazê-la descer, com vulgaridades terrenas, da altura dos seus altares.
Delteil, numa entrevista a Jacques Molénat, a tudo isto se referiu com perplexidade: No momento da batalha de Joana d’Arc tive contra mim a grande burguesia, Le Temps com o seu crítico Paul Souday, o catolicismo oficial com La Croix a dar-me, pelo seu director Jean Guiraud, todas as cutiladas que podia dar… e ainda um terceiro bandido chamado André Breton, que acusou o livro de ser «uma enorme trampa». Imagine a minha situação. Fiquei entre dois fogos, atacado pela direita e pela esquerda, por cima e por baixo, sem perceber exactamente porquê. Sentia-me num mundo de armadilhas e alçapões. E esta razão talvez tenha sido o que me fez fugir de todos eles.
Nesta batalha anti-delteil devem também reter-se as observações feitas por Donald Pelayo:
«Pouco depois, no meio das hagiografias com gosto a incenso e a água benta, esta Joana não tardou a ser considerada incendiária. À Joana crepuscular, para freiras e madres superioras, Delteil opunha a sua Joana robusta e sensual, feita de carne e acção, uma Joana de um sol do meio-dia.»
[Aníbal Fernandes]