Quando alguém dispõe apenas de meia página e de um lápis para dizer qualquer coisa, é natural que recorra a algumas medidas drásticas para se fazer ouvir. Essas medidas costumam incluir o exagero e a distorção — e um objecto com essas características, se considerado literalmente, pode dar origem a interpretações desastrosas.
QUERES QUE TE FAÇA UM DESENHO?
A pergunta que fazemos, quase sempre num tom sarcástico, quando o nosso interlocutor manifesta dificuldade em compreender qualquer coisa, parece presumir duas premissas, digamos, problemáticas: primeiro, que um desenho é fácil de fazer; segundo, que um desenho é fácil de interpretar. Num ponto, ao menos, a pergunta acerta. Um desenho é rápido e eficaz, ou seja, ao contrário do que acontece com um texto (especialmente, um texto longo) um desenho tem um impacto instantâneo.
Quando o desenho é um cartoon, todas essas características se intensificam. É mais difícil de fazer, mais difícil de interpretar, e o choque que provoca é mais intenso.
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Folhear esta edição dos cartoons do ano é, como sempre, revisitar os principais temas políticos e sociais do país e do mundo: o governo e a oposição, as grandes obras públicas, as alterações climáticas, o orçamento de Estado, Tancos, a justiça, a alta finança, o Médio Oriente, a religião, as novas «democracias musculadas», o Brexit. E, como infelizmente tem vindo a ser hábito, é também rever alguns cartoons que se transformaram eles próprios em acontecimentos – às vezes até mais polémicos do que os temas que abordam (o que não deixa de ser incrível).
Certas pessoas deixam-se ofender gravemente por um desenho, seja porque ele toca num assunto que é, para elas, sagrado, ou apenas porque não compreendem certos aspectos evidentes do funcionamento da linguagem humorística. E o problema é que, em princípio, não adianta fazer-lhes um desenho.
[Ricardo Araújo Pereira]
Com o apoio da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira.
Edição bilingue: português-inglês.