«Adoro vir [a Portugal], sabendo que vou regressar a Viena, percebem? Não sei se estou preparado para viver aqui outra vez. Começo a sentir-me um pária. Significa que não sou de nenhum dos lados exclusivamente. Vou aos lugares onde faço exposições e projetos. Nos últimos dois anos, contudo, tenho vindo mais a Portugal por questões de trabalho.»
[Hugo Canoilas]
As conversas com Hugo Canoilas pretendiam dar a conhecer o percurso de um artista de uma geração e com uma experiência diferente da dos anteriores entrevistados. Formado na ESAD (Caldas da Rainha) e assistente de Pedro Cabrita Reis — «escola» que certamente lhe trouxe uma experiência e uma confiança inigualáveis —, o artista decide sair de Portugal em 2003 e virar o rumo do seu trabalho. Esse momento, como o mesmo refere, constituiu uma espécie de arranque «falhado» no aspeto da subsistência, o qual lhe podia ter custado não a sua vida, mas o espírito.
Volvida essa página e os diferentes momentos difíceis, como o nascimento da sua filha, a mudança de galeria, a apresentação de uma nova linguagem — figurativa — a qual foi mal recebida pelo meio artístico, que dele tinha ideias feitas e criou certas expectativas, o artista resiste e fala-nos com frontalidade, sem pudores ou receios, o que pensa do sistema da arte.
Nesta conversa, Hugo Canoilas chama a atenção para a ausência de partilha e diálogo entre pares e profissionais, apontando vícios estruturais do sistema e a necessidade de libertação das convenções. Terá sido esse o maior motivo para a sua partida: um alargamento de horizontes e possibilidades, em simultâneo, com a necessidade de não ter de corresponder ao esperado por uma comunidade e um consenso instalados. Isso ficou patente nas conversas que se foram tendo, em que o mesmo revela, sem a certeza de poder divulgar publicamente o gesto de destruição de toda a obra realizada antes dessa viragem, com o propósito de não carregar sobre si, sobre as suas costas, uma força opressora, coerciva e limitativa.
Sobre o projeto no próprio Atelier-Museu, sobre a sua faceta antropofágica, isto é, de amante e devorador do mundo, é reveladora a sua insistência em ver transformada a exposição a apresentar ao público no decorrer do tempo.
É nesse momento que se torna claro que, para o artista, é vital algo que também era para Júlio Pomar: o movimento e a transformação, o risco e a mudança que lhe estão inerentes. Essa faceta, essa energia contagiante e «canibalística» também Hugo Canoilas reconhece a Pomar e certamente teria feito, de um encontro entre os dois, surtir centelha, clarão, vivacidade, faísca.
[Sara Antónia Matos]
Com o Atelier-Museu Júlio Pomar.