A sombra de José Barrias é errante e não encerra em si um significado preciso e fechado. É a capacidade de mutação transitiva desta imagem que entendemos assinalar nesta exposição, configurada como viagem de um artista que se autodefine como um «habitante dos intervalos».
A exposição [«José Barrias. Escrever com a Luz: Notas para a Biografia de uma Sombra», realizada no CAAA – Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura (Guimarães) entre 1 de Novembro e 28 de Dezembro de 2019, com curadoria de Paula Parente Pinto e o contributo de Vítor Silva] observa as viagens e metamorfoses de uma imagem fotográfica de pequeno formato — O Princípio da Sombra — captada por José Barrias na Alemanha, em 1970. Como uma razão em trânsito que passa através da obra do artista, esta projecção de um corpo em movimento reaparece noutros suportes e formatos. Manifesta-se numa pluralidade de existências: em documentos, em vestígios ou em trabalhos acabados; uma mesma referência visual tomando novas condições materiais. O entendimento sobre a arte e o método de trabalho de José Barrias espelham-se nesta mutação cumulativa das sombras, que acaba por assumir os contornos de um percurso biográfico.
É este o enredo de «Notas para a Biografia de uma Sombra»: uma exposição que, a partir de uma imagem fotográfica única e irrepetível — o auto-retrato de José Barrias enquanto sombra — reflecte um processo de migração em aberto através da reprodução. Em paralelo com a forma como o autor reapresenta outras figuras-referências no seu trabalho artístico, a sombra literalmente incorpora uma relação dialéctica entre presença e ausência que define a itinerância do percurso biográfico de José Barrias.
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Contrariamente às silhuetas, aos retratos em perfil evocados por Plínio o Velho como a origem da representação artística ocidental, esta sombra não invoca os traços fisionómicos característicos de José Barrias nem é o contorno de um perfil. Barrias possui na sua obra uma dessas silhouettes, executada durante uma viagem familiar a Paris, mas O Princípio da Sombra é seguramente uma figura mais determinada pela reflexão do que pelo recorte físico. A relação frontal da sombra é consigo próprio, com o seu espaço e tempo, mas ganha novas razões de ser na comunidade de imagens que a acompanha.
[Paula Pinto]
Apoio: Fundação Ilídio Pinho, Fundação Carmona e Costa e Fundação EDP.
Edição bilingue: português-italiano.