Nestas obras de Alexandre Conefrey e João Jacinto o snuff não se vê. Não fixamos directamente nem o acto de crueldade, nem a grafia da porné. Não está ali aquilo que se vê num filme, numa fotografia ou no circo romano.
Este livro foi publicado por ocasião da exposição «Snuff», de Alexandre Conefrey e João Jacinto, com curadoria de Carlos Corais, realizada na Galeria do Paço — Universidade do Minho, em Braga, de 10 de Maio a 30 de Junho de 2019.
O assunto desta exposição é um assunto terrível, repugnante, fascinante, e o que aqui se mostra (promete?) é o que se não vê, é o que está lá in absentia, é a elipse que devolve o olhar à fatalidade, à sua predação projectiva.
O pretexto começou por ser a pornografia, a porné, o medusante das imagens dos genitalia entumescidos em acção, pressupondo o medo de olhar, o prazer de transgredir e a talvez felix culpa. A história do temor regista alguns casos, como as Górgones, que eram vislumbradas nos templos a partir de espelhos, ou como fez Perseu em seu escudo espelhado e Adonai YHVH, o deus dos hebreus, que, no seu frente a frente com Moisés, o obrigou a encobrir suas faces, pois temeu fitar Deus. Também com S. Paulo deus só se deu a ver em espelhos e enigmas. O face a face adiado seria o apocalipse, a porné da grande prostituta da Babilónia. As faces talvez sejam o que há de mais apocalíptico.
Da porné, o tema deslizou num ápice para snuff. Dizem-me o Alexandre Conefrey e o João Jacinto que são filmes criminosos feitos com pessoas em situação ilegal e que combinam o terror com a pornografia. Os actores à força destes filmes são mortos. Acabou-se. Trata-se da morte. Da pequena e da grande morte. Questionam-se os atentos se isto será ou não será mito. O termo snuff aparece pela primeira vez no quinto romance de Tarzan, de Edgar Rice Bourrogs, em 1916, como verbo usado pelos vilões para o acto de matar, e generaliza-se como calão quanto a um modo reles de matar. A associação do acto de filmar sexo ao terror, à bestialidade e morte gerou um género a que não faltam condimentos fortes. A morte em directo ou o sexo em directo estão implícitos na cultura contemporânea mediática. Não é difícil encontrarmos precedentes, quer no real, quer na ficção. O panem et circenses, o pão e circo, ou algumas novelas de Sade como os 120 Dias de Sodoma. O devorar, o fornicar, o ver, o nascer, o morrer, o caçar e ser caçado são indissolúveis. É aqui que se situa o acto de desenhar-pintar.
[Pedro Proença]
Com a Galeria do Paço — Universidade do Minho.
Edição bilingue: português-inglês.