ACARTE, um Serviço voltado para a cultura contemporânea e um centro de educação pela arte dedicado às crianças.
Na sua estrutura, este livro pode à primeira vista não parecer o que se propõe ser: uma história do serviço ACARTE desde a sua criação, em 1984, até 1989. Mas é precisamente isso que este livro é. Simplesmente, uma história do Acarte desperta uma série de interrogações que vão muito para além da criação de um serviço, do seu enquadramento institucional, das pessoas que contribuíram para a sua existência ou das obras e autores que lhe deram projecção pública. Através de uma narrativa com múltiplos caminhos, Ana Bigotte Vieira vai tecendo um panorama largo onde várias áreas artísticas — os debates teóricos que as preenchem e as manifestações culturais a que dão lugar — evoluem cronologicamente até confluírem, como num ponto de encontro de múltiplas dinâmicas, no Acarte. O serviço, como um espaço que contém todos os outros espaços — como o Aleph — ganha assim uma dimensão narrativa que nos permite reconstituir as formas plurais, descontínuas e por vezes contraditórias com que a cultura se relacionou com a modernização no século XX. Ou melhor, com a percepção histórica com que, no século passado, muitos em Portugal imaginaram viver a experiência da modernidade, em particular através do modo como o corpo constituiu um terreno expressivo dessa experiência.
[Luís Trindade]
O ACARTE pode igualmente entender-se como o culminar de duas décadas de investigação em Educação pela Arte e Educação Artística, pois a sua fundadora e primeira directora, Madalena Perdigão, não apenas criou a Orquestra, o Coro e o Ballet Gulbenkian, como foi responsável pela reforma do Conservatório Nacional, em 1971, e por um projecto falhado de reestruturação do Ensino Artístico Nacional, em 1978. Uma história intrincada liga assim as experiências em Educação pela Arte levadas a cabo na Gulbenkian antes da Revolução, a reforma do Conservatório, a falhada reestruturação do Ensino Artístico Nacional e o regresso de Perdigão à Fundação Calouste Gulbenkian em 1984. Neste sentido, a actividade do ACARTE na década de 1980 continua as experimentações pedagógicas da década de 1960. Mas não apenas: esta actividade pode também ser entendida no cruzamento entre uma série de práticas de curadoria e programação. Ao pautar a sua acção por uma «atenção à falta», o ACARTE terá desenvolvido uma forma particular de albergar propostas estéticas e políticas geralmente atribuídas a períodos distintos, abrindo-se às diferentes percepções que os contemporâneos teriam do seu momento histórico.
[Ana Bigotte Vieira]