Hoje, Maurice Barrès [Charmes (Vosges), 1862 – Neuilly-sur-Seine, 1923] é largamente referido nas histórias da literatura francesa; é o autor de La Colinne Inspirée, o seu mais belo romance, o homem de Les Dérracinés, romance a várias vozes onde talvez possa ver-se anunciado o fascismo europeu de trinta anos mais tarde, ou deste Greco onde as descobertas de Toledo e do seu pintor se interpenetram sob um olhar crítico, e para fazer o que ele próprio reconheceu como narrativa de uma «ideologia apaixonada». Em 1902, durante a sua demorada peregrinação em Toledo, Barrès entusiasmava-se com o que era então o mais «difícil» pintor da Espanha; com o Greco que nesses anos de públicos muito pouco receptivos às brutais divergências do seu hábito, com olhares só educados pelas regras, hostilizava as suas alongadas e distorcidas proporções humanas; com esse pintor, visto como lúgubre e obscuro, quase resumido a verdes, azuis e amarelos, com carnes de cadáver e raros vermelhos que aos profanos lembravam sangue quente; com a sua arte, que ao querer retratar um povo dividido entre origens mouriscas e semíticas mas dominado pela fé cristã, reivindicava um espaço (dir-se-ia que impossível de encontrar) onde fosse reconhecível a síntese dos padrões do Renascimento e do Barroco, dos artificialismos maneiristas, mas também um frio despojamento não fatal à sua febre de sonho e revelação.
O Greco de Barrès não é apenas o génio exterior às normas da pintura da sua época, mas a verdade fugidia da alma toledana. E quando nos enfrenta, esguio e «astigmático», pede para vermos como conferiu aos seus corpos a alma que deles constantemente se escapa. [Aníbal Fernandes, «Apresentação»]