Este projecto nasceu do desafio de definir o papel do desenho na prática artística de Musa paradisiaca.
Este livro foi publicado por ocasião da exposição «The I of the Beeholder», de Musa paradisiaca, com curadoria de Filipa Oliveira, realizada na Fundação Carmona e Costa entre 25 de Janeiro e 7 de Março de 2020.
Em 2015, Musa paradisiaca [Eduardo Guerra, Miguel Ferrão] recebeu uma carta de João Carlos Costa, um rapaz autista com 19 anos que acreditava que a forma colaborativa de trabalhar, que define Musa paradisiaca, poderia ser um veículo para que a voz dele fosse representada no mundo. A carta ficou guardada uns anos, era um assunto delicado e difícil, mas a relação entre Musa paradisiaca e João Carlos foi crescendo e solidificando. Tinham, de facto, um pensamento que os aproximava: a procura da hipersensibilidade no mundo.
Esta exposição é um momento dessa procura, desse caminho que estão a fazer juntos. O João Carlos era, assim, uma das pessoas com quem eu queria conversar sobre os temas que me pareciam fundamentais reflectir a partir da exposição e do próprio trabalho de Musa paradisiaca. A outra era a actriz Charlotte Allan (Lotte). […]
E começaram a desenhar. Juntos, sempre a quatro mãos, sendo indistinguível o traço de cada. São desenhos que nos transportam para um universo infantil. Parecem doodles ou desenhos de crianças. Parecem um quase nada, são «parvos» como lhes chamam, mas muito sérios. Carregam um peso enorme consigo. Um peso da História, da arte bruta por exemplo, mas o peso de um pensamento intrincado que os sustenta.
Musa paradisiaca nunca poderia fazer desenhos apenas. Toda a sua essência assenta na ideia de pluralidade. Assim, deram estes desenhos a Lotte, para que os traduzisse e os interpretasse. Mais, para que os incorporasse em si mesma. E foi isso que fez. Em quatro peças de som, Lotte começa por descrevê-los através de um sistema de tentativa e erro: isto parece aquilo, ou podia ser isto… vai devagarinho entrando em cada desenho, ficando mais próxima do seu significado, até que mergulha neles, transformando-se na sua voz. Já não é Lotte quem nos fala, mas o próprio desenho através dela. Como se estivesse temporariamente possuída por cada desenho. Uma versão Poltergeist, mas em que o génio do mal é substituído por desenhos que finalmente encontraram uma voz que falasse por eles.
Com a Fundação Carmona e Costa.
Edição bilingue: português-inglês.