Todos os dias.
Quase todos os dias.
À sombra do fim.
A minha Mãe perguntava-me:
— Como se chama o dia hoje?
[Augusto Rainho]
Cada uma das 50 fotografias de Augusto Rainho é acompanhada por um curto texto de José Luís Porfírio que dela deriva, tudo dedicado a Pedro Morais.
Embora os textos deste livro não designem, à maneira concretíssima do haiku tradicional, essa impermanência mais visível que é o fluir das estações, pois não têm uma origem directa nesta tradição poética, nem a intenção de serem «à sua maneira », eles apontam para um opaco, que, aqui, é o da própria fotografia do Augusto. Será esta qualidade que curiosamente permite a visão da impermanência. Nem sempre completamente cerrado, selado ou barrado, às vezes com profundidade, este opaco das fotografias de Comosechamaodiahoje? é como a chegada a um beco sem saída, no qual se escarrapacham os limites da vontade, da fuga ou da acção (linguagem). Ele é o muro, a parede, o tecto, o fundo, a fronteira, um pedregulho, uma fenda, um buraco, uma cavidade, o caos, o escuro, a sombra, o negrume, uma nuvem, uma névoa, neblina, nevoeiro, bruma — essa «parte nenhuma», aquilo que permaneceu: o opaco perante o qual só é possível a espera, a quietude, o silêncio. Chegados aqui, a este impenetrável, resta-nos desistir ou delegar, e receber-ver o que não permanece, o devir. Quando nada há a fazer, larga-se e deixa-se entrar como nunca o fulgor da vida e da sua impermanência no movimento entre a frente e o verso, o verso e o reverso, as várias faces… Quando se bate no fundo, o fundo é a saída, o trampolim! para a visão do incidente transformador: a aberta de um céu nublado, a luz de uma nuvem ou de um tecto, o voo de uma cegonha, o alado de um anjo, a cruz, a boca, o grito, o vento, a torre, o cocuruto da árvore, a cambalhota de um matraquilho, a serenidade da vaca, o espelho e o vazio.
[Marta Morais]
Augusto Rainho (fotografias). José Luís Porfírio (textos).
Com a Fundação Carmona e Costa.