Mas a última palavra é sempre do artista: no seu entender, os ácaros são como o baixo contínuo da música barroca e as sinapses-mortas [desenhos abstractos] funcionam como instrumentos solistas.
Este livro foi publicado por ocasião da exposição «José Loureiro — A vocação dos ácaros», com curadoria de Antonia Gaeta, realizada na Fundação Carmona e Costa, em Lisboa, de 26 de Setembro de 2018 a 3 de Novembro de 2018.
Loureiro repete, refina, ultrapassa as margens, abunda. Apresenta um encaixe sem fim de elementos-guia onde se fundem pensamento, enunciado, ressonâncias rítmicas, metáforas, similitudes, corpos proto-mecânicos. Seduz com a realeza dos ocres, a nobreza transcendente dos azuis e a intensidade do verde e do vermelho. Finalmente, trabalha ao redor da figura do ácaro.
Ácaros estes que irrompem do papel, elegantes e luminosos, numa tensão sem catarse nem solução. Eles são fictio mental, máscara, caverna misteriosa dos instintos, desdobramento de personalidade.Mas são também langor de espasmos e plenitude erótica, encontros amorosos, vaga-lumes, bólides, extraordinária e fecunda maturidade de linguagem e de ideação fantástica, soluções expressivas singulares levadas a cabo pelo artista.
Vistos do alto, os ácaros parecem tanto guerreiros no campo de batalha como feirantes em festas campestres. Ao observar com atenção os trabalhos, retêm-se fragmentos: o estupor e a postura extática, lutadores nus e cintilantes que se aproximam prontos para se baterem, o prenúncio de uma acção sanguinária ou, ainda, coreografias de danças ou a pausa entre um baile e outro.
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Os seus trabalhos são de um lirismo lucidamente analítico e desprovido de resquícios sentimentais. São a evolução de teceduras cromáticas fluentes, feitas de cores vivas, nas quais o artista parece empenhado em tornar visível o último estádio de dissolução do heróico e do vitorioso.
Loureiro conjuga e associa ácaros num estado de transição entre humano, mineral, vegetal e animal. Espalha detalhes significativos sobre princípios de constelações simbólicas e alegóricas. Ordena-os difusamente.
[Antonia Gaeta]
Com a Fundação Carmona e Costa.
Edição bilingue: português-inglês.