Manuel Rodrigues: «O desenho é mais um modo de ler, talvez por isso o sinto próximo da escrita, mais do que da pintura, por exemplo.»
Em seis encontros, num total de dezasseis horas de gravações, as conversas tiveram lugar em Santiago de Rio de Moinhos, numa casa de traça alentejana, rodeada pelo ar quente e fresco do campo. Tratou-se de um compacto de várias horas de conversa concentradas em somente três dias. Conversávamos de manhã até à hora do almoço — momento de pausa que servia para alinhavar os passos seguintes — e regressávamos ao escritório para continuar até ao anoitecer. A gravação destas conversas era preciosa, uma vez que pessoalmente não se iriam repetir. Os temas e as questões foram alinhavados, contudo as histórias sobrepõem-se sempre à trama inicial: o primeiro desenho desfaz-se para se refazer noutro. Por outro lado, levava comigo a configuração de um desenho e, sem dúvida, que também levava o mote de Petrarca. O que ainda não sabia é que seria ele a fazer-se desenho: previamente ao que já conhecia — o saber teórico a favor do ensino e o tema, alicerce da nossa amizade, do desejo. No desenlace deste desenho, e à semelhança do processo de criação, o ‘durante’ é visível, respectivamente, através das múltiplas aparências da criação, da «figura do criador», da ligação entre imagem e semelhança. Esta linha que atravessa o espaço prévio até ao ‘durante’ foi imperativa de traçar, mas importa o ‘depois’, aquele que é realmente o território de Manuel Rodrigues: sem deixar cair na totalidade a teoria, mas aproximando-se cada vez mais de uma prática de desfazer a língua para a (re)fazer ao tom do seu desejo, do seu destino, e, sobretudo, caçar-lhe a forma que, mesmo não se vendo, é desenho. Portanto, o que está aqui em causa é o tempo que demora a agarrar o poeta com que se sonha.
A minha atenção e intenção foi não perder matéria alguma, na passagem da gravação à transcrição, com o objectivo de construir uma narrativa, desenhar um elenco e traçar um destino para o mote: um processo de descoberta que se assemelha àquilo que já se conhece e, no entanto, ao fazer-se, se desconhece na sua configuração final. As difíceis tarefas de selecção, de organização e de edição encontram sempre grande demora na acção de cortar. Cortar para que a leitura possa ser absorvida de um modo compreensível e de continuação. Deste modo, numa tentativa de ser fiel à oralidade (que nem sempre se pode cumprir), ao acompanhar o seu caminho, seguir o seu destino e desvendar o seu desejo que aí permanece, descobri em Desejo e Destino uma figura que se transforma, larga a sua pele, no desenho da poesia.
[Cristina Robalo]
Com o apoio da Fundação Carmona e Costa e da DGArtes.