Só o humor nos salva dos extremos caricaturais da beatitude ou do catastrofismo. E será também por isso que o humor suscita ódios ferozes e intolerâncias assassinas, tal como mostrou, já no início de 2015, o massacre na redação do Charlie Hebdo. Foi a prova trágica de que o humor — e o humor em desenho, em caricatura — pode ser a guarda avançada da liberdade de expressão, essa liberdade sem a qual nenhuma das outras liberdades faz sentido. […]
Felizmente, neste nosso país de brandos costumes e pouco exposto aos olhares do mundo, os desenhadores de humor não precisam de pagar com a vida o atrevimento de rir dos poderes e dos dogmas. 2014 foi, de resto, um ano especialmente melancólico, em que os portugueses se habituaram a conviver, sem excessivos protestos e alaridos, com os rigores da austeridade. E à melancolia ambiente, dissipado o efeito da grande manifestação dos nossos indignados em setembro de 2012, correspondeu uma acentuada melancolia do sorriso — mais do que o riso — dos desenhadores. O humor pode ser também o reflexo mais fiel do estado de alma de uma sociedade. [Vicente Jorge Silva]
Livro publicado por ocasião da exposição Cartoons do ano 2014, apresentada entre 14 de Março e 10 de Maio de 2015 no Celeiro da Patriarcal, em Vila Franca de Xira. Os cartoonistas desta 16.ª edição da Cartoon Xira são António Antunes [Vila Franca de Xira, 1953], José Bandeira [Lisboa, 1962], Carlos Brito [Lisboa, 1943], André Carrilho [Amadora, 1974], Augusto Cid [Horta, Açores, 1941], Cristina Sampaio [Lisboa], Vasco Gargalo [Vila Franca de Xira, 1977], António Jorge Gonçalves [Lisboa, 1964], António Maia [Rio Maior, 1951] e Henrique Monteiro [Guarda, 1969].