Publicado por ocasião da exposição «Pedro Calapez – O segredo da sombra – Obras sobre papel 2012-2016», realizada na Fundação Carmona e Costa, de 21 de Maio a 9 de Julho de 2016, com curadoria de João Miguel Fernandes Jorge.
Tudo começa no rosto de outro. Mesmo na pintura e no desenho de Pedro Calapez [Lisboa, 1953]. Sobretudo, nesse risco de indiscrição que é o desenho. Não na proximidade de luz que possa trazer e guardar, mas na expressão verbal da sua sombra; esta, sim, é muito mais do que uma mímica, é uma voz que comanda a fragilidade do traço, que não o deixa morrer só, prisioneiro de indiferença, num desfazer de presença. Com uma palidez de bico de lápis ou de ténue carvão, antes de ser absorvido pela mancha que lhe está próxima, diz-nos: «Olhem-me.» De facto, esse ponto de junção, essa passagem, também ela nos olha, mas o seu rosto que foi de traço, de quebrada linha, de risco entre dois instantes perdeu — perdeu e ganhou — o seu rosto particular, para se deixar ser no rosto geral e maior que é a mancha, a sombra. O risco que prendeu o rosto do outro, que guardou a água de um rio, a árvore de uma floresta, a cor de um incêndio ou que foi a expressão pura do seu próprio não-rosto entrou no segredo da sombra. Foi tomado por um cinza, por um negro, por uma cor que é como o pensamento do próprio desenho [da pintura, mesmo, se quisermos]. Pulsação responsável da vida que corre nos traços de culpabilidade e de inocência do que foi [rosto] e é [rosto de] desenho. [João Miguel Fernandes Jorge]