A escuta (do outro) é o acto inaugural da linguagem, e provavelmente assim começou o logos: frente à boca cerrada dos que partiam. A linguagem responde à questão que os mortos nos endereçam em silêncio. A linguagem acusa a recepção desse silêncio, desse nunca ou desse sempre, repetindo-o, repercutindo-o.
Este livro foi publicado por ocasião da exposição «Parlatório», de Tomás Maia e André Maranha, patente no Ar.Co, em Lisboa, entre 23 de Fevereiro e 9 de Março de 2018.
— … digo «parlatório», pensando, entre outras coisas, no «Cárcere do Ser» (de Pessoa)… Vivemos numa prisão — e não há saída porque o cárcere coincide com o Universo inteiro. E, se assim é, para quê as vãs evasões?… No entanto, no interior da prisão, interior quase inacessível, há um lugar mais estranho do que qualquer exterior, e maior do que qualquer intimidade… Se nos quedarmos aí, talvez possa começar o diálogo — e a nossa libertação.
[O que escuta retira um livro muito manuseado da estante que ladeia a janela — o mesmo que durante anos acompanhara o que fala. Começa a folheá-lo.]
O parlatório é o ponto em que os seres aprisionados — as presas da vida que nós somos — se libertam… O homem não está (temporária ou acidentalmente) no parlatório: ele é o parlatório.
[Longa pausa.]
É o lugar do diálogo com o tempo. Do outro lado do parlatório pode até ninguém nos falar, mas haverá sempre alguém à escuta… Algures… A escuta, um certo modo de guardar silêncio, pode libertar o homem. Escutar é deixar que alguém entre em nós pelo vazio — é dar-se (vazio).
[Diálogo]
Co-edição com Uma Clareira.
Fotografias de Pedro Tropa e Diogo Saldanha.