O trabalho de Pedro A.H. Paixão (Lobito, Angola, 1971) tem, nestes últimos anos, vindo a ganhar a presença, o protagonismo público e a ressonância crítica que se adivinhavam há muito tempo.
Afastado, com episódicas aparições, da visibilidade e do mediatismo durante anos de intenso e quase secreto labor, o artista veio a edificar um pensamento e uma obra de uma profundidade e uma potência raras em que o desenho se constitui como a espinal medula, o eixo por onde fluem as forças que vem construindo e fazendo confluir desde o labirinto do tempo até a uma clareira em que tudo parece correr sem barreiras ou fronteiras — para além da História nos interstícios de uma geografia complexa em que o pensamento arcaico é convocado e permanentemente revisitado para poder (re)pensar o lugar do contemporâneo. Esta exposição, na qual Pedro A.H. Paixão foi desafiado a interagir de forma extensiva com a colecção do CIAJG, tem como mote de base lançar um olhar abrangente sobre a produção do artista, acolhendo obras dos primeiros anos do seu percurso e trabalhos muito recentes, mas abre igualmente o campo a novas abordagens e à exploração de meios que não tinham sido antes tratados de maneira tão aprofundada como agora.
Assim, para além de se apresentar um amplo conjunto de trabalhos em vídeo, um meio que Pedro Paixão nunca, em rigor, deixou de explorar, mas que nos últimos anos perdeu intensidade em favor do trabalho em desenho (aqui também presente em extensão), é o projecto sonoro, especificamente concebido para o espaço da colecção e em estreito diálogo com algumas das peças que a constituem, que surge como a grande novidade e o elemento unificador e perturbador, que sublinha e confere às obras expostas o seu carácter de inquietante e familiar estranheza.
Quem agora nos visita terá a oportunidade de conhecer ou reconhecer uma obra rara que traz para o plano do visível as dimensões política e poética, a potência do acontecimento a surgir e o testemunho das vozes silenciadas pela crueldade da História, o íntimo e o público, a luz e a escuridão — como se o desígnio, a potência do pensamento artístico, conferisse àquele que faz, o artista, a capacidade de ampliar os limites de (auto)conhecimento e de desconstrução da entidade antropológica a partir dos seus poderes mágicos, xamânicos de transformação em tantas outras entidades: geológica, animal, vegetal, espiritual.
[Nuno Faria]
Com o CIAJG.
Edição bilingue: português-inglês.