Eduardo Paz Barroso: «Ana Vidigal contribuiu para fundar uma prática onde o carácter deformador associado à paródia, o acto de transformar, adquire uma consistência plástica capaz de atraiçoar o sentido.»
Ana Vidigal expõe desde o início da década de 1980. De então para cá demarcou um campo de singularidades, seja pelo discurso plástico, seja pela atitude assumida perante os materiais e os recursos de que se serve, seja ainda pela coerência que serenamente habita o seu processo criativo.
Quando começou a trabalhar e a expor foi evidente, para alguns (entre os quais me incluí), um sentido de antecipação ancorado num imaginário feminino fértil em convicções. Dizer-se de Ana Vidigal que é feminista numa época em que essa temática e problemática parecia, por assim dizer, protegida pela irradiação de uma matriz ideológica que (quase) se esgotava na discussão existencialista sobre o segundo sexo (Beauvoir) era, por isso, uma afirmação verdadeira, mas redutora. Há nesta obra uma audácia constante, multifacetada e genuína, que depressa nos conduz às questões do lugar e do estatuto da mulher na sociedade e na sexualidade. E assim à psicanálise, à tentativa de superação do recalcado, a uma recusa da sublimação. Para tentar condensar a questão relativa à mulher, e ao domínio do inconsciente, na obra de Ana Vidigal, parafraseando a célebre frase de Lacan, o interlocutor da artista não descobre o discurso do Outro, mas o discurso da Outra.
[Eduardo Paz Barroso]