João Queiroz: «A abstracção tem muito aquela tendência para criar objectos. Objectos que saem, para nós, da parede. Não faz essa coisa de entrar lá dentro. E eu gosto que o espectador entre lá dentro. Que tenha essa coisa de ter um alto e um baixo. Uma esquerda e uma direita. E uma profundidade. […] eu prefiro ainda o quadro-janela.»
Nas suas obras mais recentes, pintadas a lápis de cor, grafite, aguarela e guache sobre placas de poliestireno expandido — o material sintético que vulgarmente se designa por «capoto», e que serve para revestir o exterior das casas garantindo protecção térmica contra o frio e a humidade — João Queiroz, recolhido temporariamente em casa, afastado, como tal, dos meios de que dispõe normalmente no estúdio, experimentou investigar e construir novas variações sobre a paisagem. Por vezes mais figurativas, de outras reduzidas a simples manchas que sugerem percepções enevoadas, elas formam, na verdade, o que se pode designar como uma série inédita que, de certo modo, leva ainda mais adiante o que se percebia já em obras anteriores, ao expandir a sua dimensão experimental sobre um material até agora, que se saiba, desconhecido dos pintores.
Essas pequenas superfícies de capoto — incertas, diversas entre si no tamanho, e recortadas das placas maiores em que é industrialmente apresentado e vendido — são leves e portáteis, e, por isso, susceptíveis de serem pintadas sobre uma mesa ou sobre os joelhos. Nelas, justamente por se tratar de variações, o Artista ensaiou não apenas o acercamento a um novo material que desconhecia como suporte — cujas densidade e matéria teve de aprender a dominar —, como, também, a um outro tipo de invenção técnica: aquela que veio permitir fixar imagens que nasciam justamente dessa relação de aprendizagem do novo material dotado de superfícies rugosas e absorventes.
[…]
Tal como acontecia sobre as paredes da caverna, cada novo material exige, da parte de quem faz, uma reaprendizagem, para que, sobre aquele, a imagem se possa construir e, depois, revelar-se enquanto tal, pois, como Bergson ensinou, «o espírito toma emprestadas da matéria as percepções de que se alimenta, e restitui-as à matéria sob a forma de movimentos». Neste caso, justamente porque recorreu a um material normalmente empregado para cobrir o exterior das casas, João Queiroz voltou, também ele, a um estádio, por assim dizer, anterior das formas próprias do exercício da pintura.
[Bernardo Pinto de Almeida]
Com o apoio do Município do Porto.
Edição bilingue: português-inglês