Bernardo Pinto de Almeida: «É justamente por nascer do turvo fundo do informe que a sua visão nos inunda de uma luz que não havia antes.»
Jorge Galindo apresenta-nos, nesta nova série intitulada Trípticos, Farsas e Fábulas, uma explícita alusão a esse jogo de pantomimas e de descomprometido sentido da folia que parece mover, desde sempre, as suas imagens, como que a partir de um poderoso, mas oculto, centro ígneo que as anima e torna quase convulsivas. Nesse desprendimento, a sua obra evoca, secretamente, o gesto radical de Schwitters. Mas o Artista aborda desse modo, igualmente, o jogo da paixão, da entrega, da ousadia. E assim, porque aquilo que a sua pintura encena, como se fosse um jogo, é a sua própria capacidade de voltear sobre o abismo, sem tomar qualquer resguardo, arriscando, em cada nova tela — tal como nas tauromaquias de que nos falou Michel Leiris, que as equivalia às acções de risco máximo próprias da experiência da literatura e da arte —, falhar completamente, ou acertar em cheio nesse imprevisível e frágil ponto em que a criação se sustenta e ganha novo sentido.
Desde o enorme formato das telas, gigantescas, que exige do corpo um extraordinário esforço físico e psíquico, necessários para chegar a enfrentar a permanente ameaça de desequilíbrio de toda a forma — o que agora se vê aumentado até uma escala maior, graças ao uso incomum dos trípticos, que lhes dá uma dimensão ainda mais sobre-humana —, até ao uso das cores cruas (dadas em rápidas, vigorosas pinceladas, que não deixam de evocar os drippings pollockianos), às colagens de que fez um procedimento ou, sobretudo, à instante presença do gesto, que reencontramos sempre mais amplo, mais ousado e mais ameaçado, portanto, de falhar, tudo nesta arte radical parece, na verdade, convergir para um assumido enfrentamento do abismo.
[Bernardo Pinto de Almeida]
Com o apoio da Câmara Municipal de Bragança.
Edição bilingue: português-espanhol.